Mais de 5 mil pessoas das comunidades as Terras Indígenas Tekoha Guasu Guavira e Tekoha Guasu Okoy Jakutinga serão beneficiadas por um acordo homologado nesta segunda-feira (24), com a assinatura de representantes da União, da Itaipu Binacional e dos Povos Indígenas. O acordo inédito prevê a compra, em caráter emergencial, de 3 mil hectares de terras rurais que serão distribuídas a 31 comunidades indígenas que vivem em cinco municípios paranaenses do Oeste do Estado.
O investimento inicial de R$ 240 milhões será disponibilizado pela Itaipu, com a possibilidade de complementação desse valor em 2026, caso seja necessário. As terras serão adquiridas em nome da União e destinadas às aldeias indígenas. O objetivo é aliviar a falta de espaço e as condições precárias enfrentadas pelo povo Avá-Guarani desde a formação do reservatório da usina, em 1982. Outras ações estão previstas.
A cerimônia aconteceu em Itaipulândia (PR), na Escola Estadual Indígena Arandu Renda, na Aldeia Atimirim, no início da Assembleia Geral da Comissão Guarani Yvyrupa. Participaram do evento lideranças indígenas, ministros de Estado, do Supremo Tribunal Federal (STF), autoridades do Judiciário e de órgãos do Governo Federal, representantes estaduais e municipais, parlamentares e diretores da Itaipu Binacional.
Para o ministro do STF, Dias Toffoli, a homologação do acordo marca uma mudança histórica na forma de analisar os conflitos fundiários no País. “A única maneira de solucionar o conflito é com mediação, é com conciliação. Com a compra das terras, a Itaipu fará a reparação aos povos indígenas por meio de um acordo absolutamente pacífico”, afirmou Toffoli.
De acordo com ele, o reconhecimento do Estado Brasileiro sobre os erros do passado só é possível por estarmos em uma democracia. “O que estamos fazendo é cumprir a Constituição, que só existe em um país democrático. Os povos indígenas sabem como poucos o quão devastadores foram os governos ditatoriais no Brasil.”
Segundo o Advogado-Geral da União, Jorge Messias, a entrega das terras é um primeiro pagamento de uma dívida histórica. “Hoje, o Estado brasileiro, a partir do trabalho do Supremo Tribunal Federal, da Advocacia Geral da União, do Governo Federal está entregando civilidade e dignidade para essas comunidades. É o primeiro passo de outros tantos que precisam vir”, considerou.
“Fizemos um grande esforço para que esse acordo pudesse sair. É um passo importante e que queremos adotar como um modelo a ser seguido para resolver outras situações de conflito de terra em outras regiões”, disse a ministra dos Povos Indígenas (MPI), Sonia Guajajara. “Reconhecemos o trabalho dos dirigentes da Itaipu que tiveram a sensibilidade de articular, de defender e de ajudar nessa conciliação.”
A ministra da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos (MGI), Esther Dweck, acredita que o Governo Federal cumpre seu papel de olhar para a população brasileira e sanar as injustiças. “É a diferença entre um estado autoritário, que não teve nenhuma preocupação em passar por cima de pessoas e de territórios, e um governo democrático que volta justamente para reparar esse erro”, afirmou.
As lideranças indígenas participantes da cerimônia consideram o acordo o início da reparação, que deve ser seguido de outras ações além da compra das terras. “Este deve ser apenas o primeiro passo de caminhada que nos leve a uma verdadeira reparação histórica digna do nome”, afirmou a líder kunhangue e representante da Terra Indígena Tekoha Guasu Guavirá, Paulina Martines.
Para a presidente da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), Joenia Wapichana, o acordo marca uma história de luta e resistência do povo indígena e precisa ser comemorado. “Temos que reconhecer cada conquista, porque nada nesse mundo veio de graça, foi conquista. Uma conquista do governo do presidente Lula, que nos deu a possibilidade de estar aqui.”
A escolha das áreas que serão compradas será feita pela Funai, em acordo com os próprios indígenas e seus representantes legais. O Incra será responsável pela avaliação dos imóveis, juntamente com servidores da Justiça Estadual e/ou Federal. Caberá à Itaipu apenas pagar pelos imóveis.
Apoio à causa indígena
Além da aquisição de terras, o acordo estabelece uma série de medidas para garantir os direitos sociais e culturais do povo Avá-Guarani, incluindo o acesso a serviços essenciais como moradia, água potável, energia elétrica, saneamento básico, saúde e educação. Também prevê o desenvolvimento de projetos de segurança alimentar e nutricional, além do fortalecimento cultural das comunidades.
Segundo o diretor-geral brasileiro de Itaipu, Enio Verri, a aquisição dos 3 mil hectares de terra é apenas parte do pagamento de uma dívida histórica com os povos indígenas. “Nós temos outros compromissos, porque não basta só dar a terra, é importante dar assessoria e acompanhamento. A ideia é que assim que essas comunidades forem alocadas no seu devido espaço, a Itaipu esteja presente para darmos condições de melhorar a sua qualidade de vida”, afirmou o diretor.
E Itaipu já faz este atendimento por meio do Projeto Opaná, assinado em março de 2024 e válido até 2026, que possibilita a segurança alimentar e promove educação antirracista em 32 comunidades indígenas da região Oeste e no litoral paranaense. Além disso, a empresa tem o Programa de Sustentabilidade das Comunidades Indígenas, que presta assistência a três aldeias formalmente constituídas: Tekoha Ocoy, em São Miguel do Iguaçu, e Tekoha Añetete e Tekoha Itamarã, em Diamante D’Oeste.
Durante a cerimônia, Enio Verri informou, ainda, a assinatura da cessão de uso da área de 40 mil m², onde está a base náutica e a escola indígena, para que a prefeitura de Itaipulândia possa fazer investimentos e melhorar o espaço. Atualmente, a área está nome da Itaipu.
O acordo de conciliação estabelece ainda que União, Funai, Incra e Itaipu deverão elaborar e publicar um pedido público de desculpas aos Avá-Guarani pelos danos causados na construção da usina, reconhecendo as responsabilidades da empresa. Essa manifestação deverá ser publicada na internet, nos sites das instituições, e em jornais de circulação local e nacional.
Histórico jurídico
O Acordo Emergencial nasceu no âmbito de uma Ação Civil Originária (ACO) de número 3555, que tramita no Supremo Tribunal Federal (STF). Essa ação foi movida pela Advocacia-Geral da União em nome das comunidades Avá-Guarani e busca a reparação por violações de direitos humanos e constitucionais sofridas pelos indígenas com a formação do reservatório de Itaipu, em 1982. Durante décadas, os Avá-Guarani lutaram na Justiça para reaver suas terras e obter reconhecimento pelos danos históricos.
“Quando nós assumimos a direção da Itaipu, dois anos atrás, já existia essa ação que foi proposta anteriormente pelo Ministério Público Federal. Nós fizemos uma série de reuniões organizando toda essa complexidade que foi a elaboração desse acordo”, contribuiu o diretor jurídico da Itaipu, Luiz Fernando Delazari. “E o que nós fazemos é implementar essa política de reconhecimento das comunidades originárias, dando dignidade e buscando pacificar esse povo junto com a convivência que eles devem ter conosco.”
Nos últimos dois anos, sob orientação do STF, as partes envolvidas passaram por um processo de mediação e conciliação coordenado pela Câmara de Conciliação da Administração Pública e pela Comissão do CNJ. Foram mais de 20 reuniões entre representantes do Governo Federal, Itaipu, Funai, Incra, Ministério Público e líderes Avá-Guarani até se chegar a esse entendimento comum. O resultado foi o chamado Acordo Emergencial, que equilibra as necessidades urgentes das comunidades indígenas com a viabilidade prática de aquisição de terras no curto prazo.
Com a homologação judicial, o STF dará força de decisão legal a esse acordo, garantindo sua implementação. Todas as partes se comprometem, perante a mais alta corte do país, a cumprir o que foi pactuado. A homologação também deve suspender temporariamente eventuais ações de reintegração de posse ou conflitos judiciais relacionados às áreas em questão, trazendo paz jurídica enquanto as medidas do acordo são executadas.
Informações: IB