A presença da pequena ave, que veio ao mundo com 12 gramas e 4,5 centímetros, ocorre na Mata Atlântica do Nordeste do Brasil e está classificada como Criticamente em Perigo de extinção na lista nacional de espécies ameaçadas. O nascimento foi um marco na realização de um projeto meticulosamente estabelecido entre o Parque das Aves, a Associação de Pesquisa e Preservação de Ecossistemas Aquáticos (Aquasis), o Centro de Nacional de Pesquisa e Conservação de Aves Silvestres (CEMAVE) e demais instituições dedicadas à conservação de espécies em risco de extinção.
A história deste nascimento, que iniciou em 2020 com a realização de um workshop para estabelecer as primeiras ações de conservação para a espécie, ganhou novos capítulos em 2022 com a chegada dos seus pais ao Parque das Aves, e então ganhou novos aliados quando o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) iniciou o processo de estabelecer em 2024 um Programa de Manejo Populacional.
O uru-nordestino, exclusivo da Mata Atlântica (incluindo vestígios da Mata Atlântica dentro do bioma Caatinga) do Nordeste do Brasil, vem desaparecendo há vários anos. Considerada uma das aves mais raras do Brasil, o uru-nordestino, parente raro do uru-do-sudeste, enfrenta diversas ameaças em seu habitat natural, como a caça e o desmatamento. Além disso, a equipe da Aquasis suspeita que as aves sofram por ação de predadores nativos e invasores. Sem intervenções humanas bem planejadas para reverter o declínio populacional o uru-nordestino estava, então, fadada a desaparecer.
“O nascimento desse filhote é mais do que especial. Estamos radiantes pela importância que ele tem para a conservação de uma ave tão ameaçada, mas essa nova vida traz também toda uma simbologia. Ele é mais uma prova de que um trabalho árduo e em parcerias entre o governo, quem atua com o uru-nordestino no campo e quem cuida dela aqui na instituição pode ser eficaz para reverter o destino de espécies em perigo”, afirma Paloma Bosso, diretora técnica do Parque das Aves.
“A notícia desse primeiro filhote de uru-nordestino nascido sob cuidados humanos chegou em um momento importante, pois mesmo com o monitoramento constante na Serra de Baturité, desde setembro de 2024 não tínhamos registro dessa ave no ambiente natural. Logo depois da notícia desse nascimento, encontramos eles novamente na Serra de Baturité, e isso nos trouxe muito ânimo. Capturar alguns indivíduos de urus nordestinos de uma população tão reduzida foi uma decisão complicada, mas com planejamento e com esse resultado, nossas esperanças se renovam. Com sorte, este será apenas o primeiro de muitos que ajudarão a salvar essa ave da extinção”, comenta Fabio Nunes, gerente de programa da Aquasis.
Um pequeno ovo repleto de esperança para uma ave ameaçada
Desde a chegada dos pais ao Parque das Aves em 2022, cópulas e construções de ninhos já foram observados pela equipe técnica em diferentes ocasiões. Mas foi só na primeira quinzena de dezembro de 2024 que um único ovo foi descoberto pelo tratador logo no início da manhã. Em um ninho confeccionado pelo casal, em recinto fora da área de visitação, a fêmea seguiu sendo monitorada por câmeras para verificar possíveis novos ovos, já que os urus costumam ter posturas com até cinco ovos. Considerando o alto grau de ameaça, e uma possível inexperiência dos pais, após dois dias, a equipe técnica optou pela transferência do ovo para uma incubadora, na Sala de Neonatologia. Tal medida permitiu não só verificar se o ovo estaria fértil, bem como o monitoramento de todas as etapas de desenvolvimento do embrião que poderia vir a se desenvolver.
“Trazer esse ovo para os cuidados da equipe de Neonatologia foi uma decisão estratégica, e que já estava estabelecida inicialmente, pois além de aumentar as chances de nascimento do filhote, também nos permitiu criar um protocolo pioneiro para filhotes dessa ave tão ameaçada”, explica Bianca Fernandes, supervisora de manejo de neonatos do Parque das Aves.
A primeira etapa a ser vencida foi a constatação de que o ovo estava fértil, ou seja: o casal havia copulado e então uma nova vida começava a se desenvolver! Este momento singular foi amplamente comemorado pela equipe, mas ainda com cautela pois eles estavam cientes dos demais desafios que precisavam ser vencidos. Durante o desenvolvimento do embrião, parâmetros de peso e biometria eram periodicamente controlados pela equipe a fim de garantir o desenvolvimento mais saudável possível ao filhote.
Após 26 dias de incubação, o momento do nascimento se aproximou. O filhote, entretanto, encontrou dificuldades para sair do ovo sozinho, exigindo uma intervenção assistida pela equipe. Mesmo com o monitoramento por câmeras, Paloma não hesitou em comparecer ao local durante a noite, para acompanhar de perto cada etapa do delicado processo. “Foi uma mistura de tensão e emoção. Estar ali, observando aquele pequeno ser tão vulnerável, e ao mesmo tempo tão cheio de significado para a conservação do uru-nordestino, foi uma das experiências mais tocantes da minha vida”, compartilha Paloma.
Com monitoramento constante para a aplicação de técnicas cuidadosamente planejadas, que incluíram ovoscopias e monitoramento da frequência cardíaca do filhote ainda dentro do ovo, a equipe proporcionou o melhor grau de bem-estar possível ao indivíduo durante todo esse processo, que levou cerca de 30 horas, desde o furo da casca até o nascimento. “As decisões sempre são delicadas, pois não queríamos reduzir chances de salvar essa vida que representa tanto para o futuro do uru-nordestino; assim cada avanço foi muito celebrado”, relata Paloma. Na primeira quinzena de janeiro, o filhote finalmente veio ao mundo, mediante um nascimento assistido pela equipe de veterinários da instituição, trazendo esperança para todos os envolvidos.
Hoje, o pequeno uru-nordestino segue sob cuidados da equipe de neonatologia em ótimas condições de saúde e bem-estar. Ainda que ele seja alimentado periodicamente pela equipe e tenha um monitoramento constante dos seus comportamentos por câmeras, ele já vem se mostrando cada vez mais independente! Ele já recebe seus primeiros banhos de sol, em um processo de adaptação para, no futuro, ser levado ao recinto com os outros indivíduos que vivem no Parque.
Futuro do uru-nordestino
Estes esforços priorizam a criação da chamada população de segurança para o uru-nordestino, uma medida estratégica essencial para garantir sua sobrevivência diante das crescentes ameaças nos seus ambientes naturais, como a perda de habitat e a pressão humana. “O nascimento desse filhote é a consolidação de um planejamento em longo prazo que visa estabelecer uma população saudável e segura. Essa estratégia é fundamental para que, no futuro, possamos pensar na reintrodução dos filhotes em áreas restauradas e protegidas”, explica Paloma.
“O estabelecimento de um Programa de Manejo Populacional para o uru-nordestino é de suma importância, por convergir esforços para a recuperação e manutenção de suas populações, por meio de atividades de manejo integrado (in situ e ex situ), em conjunto com diversos parceiros, contribuindo para a Estratégia Nacional para a Conservação de Espécies Ameaçadas de Extinção. O nascimento desse filhote no Parque das Aves é comemorado por todos os parceiros e reacende a esperança de salvarmos o uru-nordestino”, comenta Antônio Emanuel Barreto Alves de Sousa, coordenador do Plano de Ação Nacional para Conservação das Aves Ameaçadas da Caatinga.
O sucesso do nascimento também é fruto do compromisso do Parque das Aves em ampliar os conhecimentos sobre o manejo de espécies e desenvolver estratégias eficazes para sua conservação. Por meio de esforços contínuos, como a criação de protocolos e a colaboração de especialistas, o Parque dá um passo crucial para garantir a sobrevivência do uru-nordestino, assim como vem sendo feito com outras espécies ameaçadas. Este marco reafirma o papel da instituição no cuidado e preservação da fauna brasileira, trazendo esperança para o futuro da biodiversidade.
Oficina realizada no Parque das Aves em 2020
Em fevereiro de 2020, um pouco antes da pandemia de Covid-19 ser decretada, uma oficina intitulada “Avaliação ex situ para Planejamento Integrado de Conservação para Galliformes e Tinamiformes no Brasil”, com a participação de 25 especialistas em conservação, foi realizada no Parque das Aves. Estiveram presentes representantes da própria instituição, do CEMAVE/ICMBio, do Grupo Especialista em Planejamento de Conservação (CPSG) da União Internacional para a Conservação da Natureza (UICN), do Centro de Sobrevivência de Espécies Brasil (CSE Brasil), entre outros parceiros. Dentre as ações, os participantes identificaram a importância de estabelecer uma população de segurança do uru-nordestino, que serviria para reintrodução ou reforço da população no ambiente natural.
“Salvar espécies é um esforço colaborativo. Para a conservação efetiva de uma espécie, todos nós precisamos trabalhar juntos – zoológicos, criadouros, centros de triagem de animais selvagens, ONGs, agências estaduais, universidades, autoridades federais,” disse Eduardo Barbosa, coordenador do PAN das Aves da Mata Atlântica, do Centro Nacional de Pesquisa e Conservação de Aves Silvestres (CEMAVE/ICMBio).
Recebimento de indivíduos em 2022
Em abril de 2022, cinco indivíduos de uru-nordestino foram enviados para Foz do Iguaçu para serem cuidados pela equipe do Parque das Aves, em um trabalho conjunto com a Aquasis. “A Aquasis realiza um trabalho muito importante com essa e outras aves ameaçadas na Mata Atlântica do Nordeste, como o cara-suja, que já reproduzimos na instituição e foram então liberados em segurança pela ONG na região de ocorrência natural da espécie”, comenta Paloma.