No presépio o amor se manifesta

Por ocasião do 800º aniversário do Natal de Greccio, é propício fazermos uma reflexão sobre a espiritualidade franciscana no tocante à natividade de Jesus Cristo para revivermos a nossa fé e, além do mais, de conhecer o tesouro do carisma franciscano.

A grandeza da sabedoria franciscana se revela na experiência da pobreza de Deus, que se fez homem como nós, pois “sendo de condição divina não se apegou ao ser Deus, mas se esvaziou, tornando-se semelhante aos homens (Fl 2, 6-7) ”. Com isso, Francisco celebra a Encarnação do Senhor no intuito de fazer memória ao dia que a humanidade foi imersa no amor de Deus. Um Deus que é incompreensível a nossa mentalidade, pois em sua divindade, Ele se rebaixa a nossa condição, fazendo-se depender do gênero o humano, tomando a aparência de um “menino pobrezinho que necessita do leite materno para o seu sustento”.

Francisco tinha uma ideia clara que, toda a limitação humana é lugar de fazer experiência com o sagrado; ele não a descartava, vendo nas situações da vida do homem um empecilho para chegar ao conhecimento de Deus. Rompendo com esta forma de pensar, o próprio Verbo de Deus, isto é, o seu Filho unigênito, se faz homem, para que pela sua humanidade toda a criatura entre na via de acesso ao Criador, sendo toda a criação reconciliada por meio de Cristo.

O Verbo, consubstancial ao Pai, procedendo de ambos o Espírito Santo, fez de nossa humanidade sua manjedoura. Com isso, o útero da Virgem Maria recebeu a verdadeira carne da nossa humanidade e fragilidade (2 Fi 4ss). E nossa fragilidade o acolhe, tornando a nossa humanidade algo mais honrável e nobre, estando acima dos coros angélicos, pois o próprio Deus se fez homem, elevando esta mesma natureza, encontrando-a em seu protótipo a direita de Deus Pai.

Dentre todas as celebrações litúrgicas, Francisco tem uma admiração singular pelo Natal. Este dia para ele é a festa da carne, pois dizia que, até as paredes deveriam comer carne, mas como não as podem, sejam esfregadas carne. E ainda, “queria que, nesse dia, os pobres e os esfomeados fossem saciados pelos ricos, e que se concedesse ração e feno mais abundante que de costume aos bois e aos burros”. Tudo em honra a celebração da Encarnação do Senhor.

É costume ver a Encarnação em função da Paixão e Morte de Jesus. Para nos redimir do pecado, morrendo na Cruz, o Verbo precisava ter um corpo. Por isso “assumiu a nossa humana fragilidade” no seio da Virgem Maria. Sob essa compreensão pensaríamos que a Encarnação estaria numa perspectiva tão somente em fusão de apagar as culpas do pecado. Contudo, a visão de Francisco é muito mais bela. O Verbo não se encarnou só por causa do pecado, mas para se fazer nosso irmão; para estar conosco, ser Deus conosco (Emmanuel), para conviver com os homens, como um deles. É um mistério de comunhão. “Francisco rodeava de um amor indizível a Mãe de Jesus, por ter feito nosso irmão o Senhor de toda a Majestade” (2 C 198).

A simbologia do presépio é um dado tão forte na espiritualidade franciscana que, além de fazer memória da humanidade de Deus, que a torna presente por meio deste símbolo, ressalta essa comunhão entre toda a criação. A criação que se vê no menino Jesus, transmitindo a nós criaturas, a paternidade de Deus através da sua filiação que tem com o Pai, fazendo de nós seus irmãos, possibilitando a nós também, chamar a Deus de Pai, constituindo uma fraternidade de comunhão.

Frente a esta realidade, nos parece tão simples e comum o nascimento do menino Jesus, mas nos torna um tanto complicado pensarmos na possibilidade de um Deus tomar a forma humana que, para as outras religiões seria escândalo e loucura. Um Deus que quer fazer a experiência da humanidade, possibilitando também que a humanidade faça a experiência de Deus.

Amados irmãos e irmãs, ao celebrarmos com grande exultação o natal do Senhor, possamos de tal modo ser colocados na vida íntima de Deus, que se revelou a nós por meio da pequenina criança, Jesus Emanuel, tornando para nós modelo e exemplo de fraternidade que, com tamanha misericórdia e solicitude para com toda a criação, pelo seu benévolo amor, somos chamados por causa d’Ele, filhos de Deus. Sendo assim, jubilemo-nos com toda a criação, louvando a Deus, pois a Vida se manifestou e nós a vimos, e damos testemunhos com o nosso existir (1 Jo 1,3).

Frei Adailton Borges, OFM.Conv.

Ordem dos Frades Menores Conventuais.

 

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