Cerca de um terço dos presos relata ter havido algum tipo de violência no momento da prisão, praticada por agentes públicos, incluindo policiais militares, policiais civis e agentes penitenciários. O dado faz parte do relatório produzido pela Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro, divulgado nesta quinta-feira (9), referente ao período de agosto a dezembro de 2020. Os depoimentos foram colhidos durante as audiências de custódia, quando os presos são ouvidos por um juiz e um defensor.
“De agosto de 2020 – quando as audiências de custódia voltaram a ser realizadas, após suspensão pela pandemia – a dezembro do mesmo ano, 475 pessoas presas em flagrante relataram ter sofrido agressões, principalmente físicas, na maioria das vezes provocadas por policiais militares e no lugar do fato. O número representa 31% dos 1.920 homens e mulheres entrevistados pela Defensoria Pública do Rio no período”, diz o relatório.
De acordo com a defensoria, os dados contrastam com a quase absoluta ausência de denúncias de maus-tratos entre março e agosto do mesmo ano, meses em que a apresentação dos presos em flagrante ficou suspensa, por causa da pandemia. Segundo dados divulgados pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), nesse período, o índice de maus-tratos registrado foi de cerca de 1%, pois tinham por base somente informações escritas nos autos das prisões em flagrante.
“Com a retomada das audiências de custódia, percebe-se que o volume de denúncias de maus-tratos e torturas se manteve no mesmo patamar que já havíamos identificado em pesquisas anteriores, de cerca de 30% ou pouco mais. Assim, é possível concluir que, durante o período em que as audiências ficaram suspensas, houve clara subnotificação. Isso mostra a importância das audiências de custódia, presenciais, para apuração da ocorrência de tortura. Sem elas, não é possível saber se a tortura ocorreu ou não”, declarou a coordenadora do Núcleo de Audiências de Custódia (Nudac) da Defensoria Pública do Rio, Mariana Castro.
Das 1.920 pessoas presas ouvidas em audiências de custódia, 475 afirmaram ter sofrido algum tipo de agressão. Dessas, 282 foram relatos de violência física; 45, física e psicológica, e 27, psicológica. Quanto aos agressores, os presos disseram que 225 deles eram policiais militares, 26 eram agentes penitenciários e 19, policiais civis, entre outros.
Quanto ao lugar onde houve as agressões, 259 afirmaram que ocorreram no local dos fatos; 26 em uma delegacia de polícia; cinco casos, no local da prisão; 17 casos, dentro de uma viatura da Polícia Militar; e 15 casos, em uma viatura da Polícia Civil, entre outros locais.
O relatório completo pode ser acessado na página da Defensoria Pública na internet
Respostas
O Tribunal de Justiça (TJ), a Secretaria de Polícia Civil, a Secretaria de Polícia Militar e a Secretaria de Estado de Administração Penitenciária (Seap) foram procurados para se manifestarem sobre o relatório.
O TJ respondeu que desconhece esses números, não recebeu e nem foi comunicado oficialmente acerca do relatório citado, a forma como o mesmo foi elaborado ou em que período se baseou. O tribunal ressaltou que uma das finalidades principais das audiências de custódia é apurar eventual prática de violência, tortura ou maus-tratos no ato prisional ou logo após a prisão.
“Nas audiências realizadas na Central de Custódia de Benfica, em torno de 30% dos custodiados (presos) relatam a prática de tortura ou maus-tratos no ato prisional e, sempre que há relato nesse sentido, o juiz que preside a audiência determina: 1) que seja realizado, ao término da audiência, laudo complementar de exame de corpo de delito a ser elaborado em comparação com as declarações do custodiado, no intuito de viabilizar eventual apuração a ser realizada pelos órgãos competentes; 2) a expedição de ofícios para os órgãos competentes (Ministério Público e Corregedorias) para a apuração da prática da violência relatada”, destacou o TJ.
A Seap afirmou que ainda não recebeu o relatório e aguarda o recebimento para o conhecimento do seu teor. “Ressaltamos, ainda, que medidas já estão sendo tomadas para evitar esse tipo de situação e que, caso haja algum relato de agressão, a corregedoria do órgão vai apurar a veracidade ou não dele”, acrescentou.
As secretarias de Polícia Civil e de Polícia Militar também foram procuradas, mas não se pronunciaram sobre o relatório da Defensoria Pública.
Agência Brasil