Imagine estar a quase 17 mil quilômetros de sua cidade natal e encontrar semelhanças em uma cultura que te fazem se sentir em casa? Mesmo tão grande, o planeta Terra ainda tem um jeito de aproximar povos distintos. Foi isso que descobriu Cleise Vidal, a entrevistada da semana da série Artistas do Iguaçu, quando esteve na Indonésia e encontrou características que a fizeram lembrar de Foz do Iguaçu, onde nasceu, e da região da tríplice fronteira.
A pintora insere nos quadros tudo o que experimentou e vivenciou em diferentes lugares do mundo, para assim transformar filosofias de vida em arte. Com muita cor, pinta corpos femininos, como símbolos para tentar dar significado a dois extremos que ali se encontram: força e fragilidade.
Busca pela identidade
Natural de Foz do Iguaçu, hoje, aos 39 anos, pela primeira vez vive e trabalha com o que ama na cidade onde nasceu. Isso só foi possível a partir de 2017, quando retornou para finalmente deixar uma marca.
Desde criança sempre foi apaixonada pelos desenhos e por fazer arte. Seguiu o sonho mudando-se para Curitiba, ainda aos 18 anos, para estudar e se aproximar daquilo que tanto queria.
“Na época não tínhamos muitas opções de cursos ou meios aqui em Foz. Em Curitiba, eu estudei Designer Gráfico, que era o mais próximo de Belas Artes. Quando terminei o curso, ainda queria continuar nessa busca por realização, mas sempre ficava pensando ‘será que vai ser possível? ’. Até que fui!”, relembra Cleise.
Essa ida foi justamente a um local que é considerado um templo das artes: Barcelona, na Espanha. Durante dois anos, Cleise viveu e respirou arte em todos os cantos da capital catalã, terra de museus e referências.
“Brinco que essa foi a minha pós-graduação. A intenção era mesmo fazer uma pós, mas cheguei sem qualquer dinheiro, então foi tudo no improviso. Mas não poderia ter aprendido de uma forma melhor, pois foi onde peguei referências, conheci museus com obras de Salvador Dalí, Picasso, Joan Miró e muitos outros. Foi o local certo para expandir meus conhecimentos”, conta.
A experiência na Catalunha não foi suficiente para Cleise, que ansiava por mais conhecimento. “Durante muito tempo tive dificuldades para me comunicar, não conseguia conversar e entender as pessoas, até que descobri que eu poderia fazer isso pelos meus desenhos, porque me aproximava das pessoas por meio deles”.
Para conseguir esse avanço, foi novamente correr pelo mundo – ou melhor, navegar. “Trabalhei, então, como fotógrafa de cruzeiros de navio. Como sempre gostei de imagem, composição, tudo ficou muito próximo. Isso sem contar a mistura de culturas, os povos totalmente diferentes e como tornar isso um objeto de arte”.
Volta às raízes
Após tantas viagens, culturas distintas e misturas, Cleise expandiu ainda mais o próprio baú de referências. Em 2010, conheceu o atual esposo, que é da Indonésia, e mudou-se para o país, onde, finalmente, empregou como profissão a pintura e passou a consolidar-se como artista.
“Foi lá que comecei a desenhar sem parar. Foi o momento em que uma porta se abriu e eu passei a expor os meus trabalhos, vender e realmente mostrar para que outras pessoas enxergassem. Foram anos de busca até criar a coragem de fazer e viver de pintura”.
Na Indonésia, mesmo tão longe, notou que tudo era muito familiar, como se estivesse perto de casa. Filha de mãe paraguaia, percebeu diversas semelhanças entre o povo guarani e o povo indonésio.
“Tudo era muito parecido com o Paraguai. A pele, o sotaque, que me lembrava do guarani. Tudo remetia ao que vivi desde quando era criança, com a minha família. Pesquisei mais e descobri toda essa conexão, como os povos indígenas, o que me influenciou diretamente naquilo que se tornou característico em minhas artes”.
Nos trabalhos, o significado é muito mais importante do que a forma utilizada para empregá-la. “Eu nunca quis buscar um estilo, marcar meu trabalho como uma coisa só. Para mim vale muito mais a experiência do sentimento e conexão com o espectador. Se eu fosse identificar algo, seria a sutileza feminina, que eu uso como uma referência para a terra, como fertilidade e a grandiosidade dessa figura. Algo como fragilidade e força”.
Outro detalhe marcante são as cores vibrantes, que se misturam e mostram como o mundo e situações adversas podem ser enxergadas por perspectivas distintas e curiosas.
”Eu usava muito o preto e branco nas obras, quase todas eram assim. Mas na Indonésia tudo é muito colorido, então não tinha forma de ficar alheia a isso. Eles valorizam muito essas situações. Até brincamos que não é possível saber quando está acontecendo um velório ou um casamento, pois tudo tem muita cor e celebração. Aprendi a enxergar que tudo é composto por etapas”.
Construir um local melhor
Estabelecida em Foz, com o esposo e a filha, trabalhando com o que ama e vendendo artes para locais diversos, como França, Inglaterra e Portugal, além de ter uma exposição fixa mantida na Indonésia, a pintora decidiu contribuir para que mais artistas encontrassem em Foz um espaço de acolhimento.
Ao lado de amigos e pessoas interessadas em destacar ainda mais a cultura local, criou a Casinha Laranja, um espaço aberto para que pessoas de todas as idades pudessem conhecer e expor trabalhos sem o medo de não serem vistas. O espaço fica na Rua Irlan Kalichewski, 404 – Vila Yolanda, e é aberto ao público.
“Quando eu voltei para Foz, encontrei um espaço bacana para mostrar o meu trabalho na Feirinha da JK, onde muita gente me enxergou e se interessou. Mas precisávamos de mais espaço, um local em que a Cleise de 15 anos, por exemplo, pudesse se sentir acolhida. Por isso iniciamos a galeria, para abrir a artistas novos e fazer o que faltou na minha época”.
Sobre o futuro da arte em Foz do Iguaçu, Cleise enxerga com otimismo as mudanças que a influência de uma nova geração na cidade, com estudantes e cada vez mais interesse público para consumir esses objetos.
“A arte precisa ser ativa, tem que ser feita todos os dias, pois os conhecimentos são diários. Quem não conhece os benefícios que ela traz, não sabe o que está perdendo. A arte me trouxe autoconfiança, algo que eu sei que ninguém vai me tirar. Isso é algo que muitas crianças também precisam. Na verdade precisamos, mais do que nunca, da arte”.
PMFI