Um time latino-americano formado por nove estudantes da UNILA e por uma estudante da Unioeste – o SynFronteras – entrou no campo de pesquisa sobre biologia sintética para, entre outros objetivos, contribuir para o combate à doença leishmaniose visceral. A iniciativa partiu de discentes da UNILA, que criaram a equipe para atuar nos eixos de pesquisa e de conscientização da população acerca da temática. O SynFronteras – que conta com integrantes do Brasil, Paraguai, Peru, Argentina e Equador – foi criado tendo como meta participar da competição iGEM (International Genetically Engineered Machine), realizada pelo MIT (Massachusetts Institute of Technology).
O evento, que este ano deve acontecer de forma virtual no segundo semestre de 2021, é o mais importante na área de biologia sintética e reúne times de universidades de todo o mundo, para apresentarem projetos que buscam novas soluções para questões importantes da sociedade. “Uma das formas de estudar a biologia sintética é se preparar para o iGEM. Fica mais fácil quando você tem um objetivo mais claro sobre o que você quer fazer”, aponta Maria Barmaimon, discente de Biotecnologia e atualmente responsável por arrecadar fundos para o projeto. Atualmente, o grupo busca patrocínio para conseguir inscrever-se no evento internacional.
Com base em pesquisas, o projeto do time tem sido construído há um ano. Denominada BioPank, a iniciativa traz uma referência afetiva a uma cadela adotada por membros do SynFronteras. “Havia pouco tempo, minha cachorrinha Paçoca (Pank) tinha morrido em decorrência de complicações da leishmaniose, e eu propus aos demais que procurássemos alguma solução para a doença. Após um período de intensas pesquisas, encontramos a técnica de paratransgênese e vimos que outro time brasileiro (da USP) já havia participado da competição (iGEM) utilizando essa técnica, porém para o combate à malária”, conta Giulio Braatz, estudante de Biotecnologia da UNILA e coordenador do Syn Fronteras.
Ele explica que a “paratransgênese é uma técnica de controle biológico que consiste em selecionar uma bactéria do intestino do vetor de uma doença (como o mosquito-palha, no caso da leishmaniose) e, em seguida, modificá-la geneticamente para que expresse uma molécula antiparasitária, com a finalidade de impedir que o parasita se desenvolva dentro do vetor”, esclarece. E a biologia sintética é um campo da ciência que consiste em redesenhar organismos para que eles adquiram novas funções. Nesse sentido, o BioPank baseia-se na criação de um organismo sintético que inviabilizaria a sobrevivência da Leishmania dentro do inseto transmissor, impedindo, assim, a transmissão da doença.
Além do uso da biologia sintética para controle biológico, os estudantes destacam as múltiplas possibilidades de aplicação dessa ciência de fronteira na resolução de problemáticas em áreas diversas do conhecimento. “A biologia sintética também levanta questionamentos do modelo atual de produção, do modelo de relação entre o humano e a natureza”, aponta Samuel Chagas, também estudante de Biotecnologia e integrante do SynFronteras. Ele cita como exemplo a possibilidade de, por meio da biologia sintética, produzir diferentes tipos de fibras naturais, degradar um agrotóxico, produzir alimento ou energia a partir de organismos geneticamente modificados.
iGEM
A formação do time SynFronteras parte do intuito do grupo de pesquisar e também compartilhar conhecimento sobre biologia sintética – área ainda pouco difundida no Brasil e nas universidades brasileiras. O grupo busca institucionalizar os estudos na UNILA, por meio de projetos de pesquisa e extensão. Os estudantes atualmente contam com orientações não só de docentes da UNILA, mas também de uma rede de apoio, que inclui troca de experiências e tutoria de pesquisadores experientes da área, do Brasil e também de outros países da América Latina.
Para o iGEM, os estudantes não irão realizar todo o processo de paratransgênese, incluindo aplicação da bactéria na natureza, uma vez que esse processo integra um projeto de pesquisa a longo prazo e depende de diversos recursos. O objetivo, na competição, é demonstrar que é factível o projeto, levando em consideração aspectos bioéticos e de biossegurança. “Para o iGEM, o importante é a gente demonstrar tanto matematicamente quanto por meio de alguns testes em laboratório, que a nossa ideia, tudo que a gente teorizou, funcionaria na prática. Demonstrar com alguns testes chamados de provas de conceito, que são mais acessíveis para nós que somos da graduação”, esclarece a estudante Maria Barmaimon.
Os discentes também atuam no campo das práticas humanas, com o trabalho de diálogo com a comunidade. “A competição nos faz executar os três pilares do ensino superior brasileiro, que é o ensino, a pesquisa e a extensão. Então, pra nós, é muito cativante discutir um tema e, ao mesmo tempo, ensinar, divulgar, ajudar na conscientização e fazer pesquisa também”, pontua Samuel Chagas. “É superimportante – individualmente e como time – trabalhar e falar sobre biologia sintética e sobre a biotecnologia, com pessoas de fora dos muros da universidade. Muitas vezes, sobre o nosso curso, biotecnologia e biologia sintética, existe certo preconceito pela falta de entendimento do que a gente faz. Buscamos deixar o mais claro e simples possível de se entender”, complementa Barmaimon.
Nesse trabalho de esclarecimento, os estudantes ressaltam a relevância de atentar-se ao contexto regional, sobre a situação da doença em Foz do Iguaçu e, com isso, dialogar com pessoas que atuam no combate à leishmaniose e também com a população. Uma das problemáticas apontadas pelos estudantes é a subnotificação dos casos de leishmaniose na cidade. E um dos fatores para essa ocorrência, segundo apontam, é um desconhecimento sobre a necessidade de reportar casos da doença ao Centro de Controle de Zoonoses (CCZ). “Fica mais difícil fazer políticas públicas para prevenção da leishmaniose, sendo que a gente não sabe o número real de casos. Então, nessa parte de práticas humanas, queremos focar muito nisso, fazer com que esses casos sejam notificados de forma mais real”, conta Giulio Braatz.
Interdisciplinar e multicultural
O projeto do SynFronteras tem um caráter interdisciplinar. Os estudantes contam com apoio de outros discentes, de áreas como Antropologia e Engenharia, e estão abertos para receber novos interessados em participar do grupo. Por conta do iGEM, os estudantes tiveram oportunidade de entrar em contato com pesquisadores do Equador, México e Peru, que compartilham o entusiasmo de criar um time da América Latina. “Dentro da UNILA, isso pranós é muito importante, porque seria uma das universidades mais novas a participar da competição no Brasil e seríamos o primeiro time latino-americano composto por diferentes nacionalidades latino-americanas a participar do iGEM”, aponta Samuel Chagas.
O SynFronteras é formado pelos estudantes de Biotecnologia da UNILA Giulio Braatz, Sara Lima, Samuel Chagas, Matheus Araújo, Milena Chalco, Maria Barmaimon, Giovana Zanette e Lucas Ovelar; pela discente do curso de Antropologia da UNILA Rosane Leite; além da estudante Ana Dutra, do curso de Engenharia Elétrica da Unioeste. O time conta com a orientação do professor Cristian Rojas, de Ciências Biológicas da UNILA; e tem tutorias de Kelvinson Viana, docente de Biociências da UNILA; Marcelo Ramalho-Ortigão, da Uniformed Services University (USU); Thiago Lubiana, doutorando pela USP; e Eric Velasco Yepez, mestrando pela USP e ex-aluno de Biotecnologia da UNILA.
Assessoria