O passeio em família, no início de novembro de 2020, está registrado nas fotos em que a estudante Giovana Campiotto, de 16 anos, aparece ao lado dos pais. “Foi um dia muito feliz”, relembra a auxiliar de enfermagem Terezinha Campiotto, mãe da adolescente.
Hoje, as imagens do passeio estão entre algumas das últimas recordações que a família guarda de Giovana. A jovem, que estava no ensino médio e sonhava em cursar Direito, morreu no começo de dezembro em decorrência de complicações da covid-19.
Imagens como as de novembro, e outras feitas ao longo da vida da adolescente, se tornaram uma forma de refúgio para Terezinha desde a morte da filha caçula.
“Eu vejo várias fotos da Giovana todos os dias “, diz a auxiliar de enfermagem à BBC News Brasil.
Assim como Terezinha, milhares de pessoas convivem com a saudade de entes queridos que morreram em decorrência da covid-19. Segundo dados do Ministério da Saúde, o país registrou, até a manhã desta segunda-feira (25/01), 217 mil mortes pela covid-19 — o primeiro óbito ocorreu em 12 de março do ano passado, conforme a pasta.
Desde o fim de 2020, o Brasil tem enfrentado aumento nos registros diários de vítimas do novo coronavírus. Em números absolutos, o país ocupa o segundo lugar em mortes pela doença, atrás apenas dos Estados Unidos, que já teve mais de 408 mil óbitos.
Por trás dos dados de mortos há histórias de famílias abaladas pela covid-19, que já matou mais de 2,1 milhões de pessoas em todo o mundo.
Enquanto convivem com a saudade, parentes e amigos das vítimas do novo coronavírus buscam formas de se lembrar dos entes queridos.
Uma das recordações mais comuns são as fotografias. Para dar dimensão humana à tragédia da covid-19, familiares mostram à BBC News Brasil algumas das últimas imagens de pessoas que morreram em decorrência do novo coronavírus.
Há diversos momentos felizes entre os últimos registros, como o Dia dos Pais ao lado das filhas, uma selfie sorridente e uma comemoração de aniversário. Abaixo, conheça as histórias por trás de fotografias compartilhadas com a reportagem.
Passeio em família
As fotos mais recentes que Terezinha guarda da filha caçula foram tiradas em dois de novembro, em um passeio a um ponto turístico: o Cânion Guartelá, localizado entre os municípios de Castro e Tibagi, ambos no Paraná.
O local fica a cerca de 200 quilômetros de Marilândia do Sul, no norte do Paraná, onde Giovana morava com a família.
“Foi um passeio rápido. Ficamos só um dia por lá. Fomos juntos com o namorado da minha filha, dois tios dela e uma prima”, relata a mãe da adolescente.
Terezinha ressalta que todos estavam com máscaras, mas explica que os familiares aparecem sem elas nas fotos porque os registros foram feitos nos momentos em que não havia desconhecidos por perto.
O passeio foi o último momento de felicidade em família. “A minha filha gostou bastante. Tiramos várias fotos, porque ela gostava de ser fotografada em lugares diferentes”, diz Terezinha.
Cerca de três semanas depois, os membros da família foram diagnosticados com a covid-19. Além de Giovana, o irmão dela, de 25 anos, os pais e os avós também foram infectados pelo novo coronavírus.
A família não sabe de que forma contraiu a covid-19. A auxiliar de enfermagem comenta que continuou trabalhando desde o início da pandemia. Segundo Terezinha, ela e os familiares sempre tomaram os cuidados para evitar que fossem infectados pelo novo coronavírus.
Ela descobriu que havia contraído o Sars-Cov-2 (nome oficial do novo coronavírus) após fazer exames depois do primeiro turno das eleições municipais, em 15 de novembro.
“Todos que trabalham na área de saúde tiveram de fazer exames. Depois que o meu deu positivo, toda a minha família também fez e os resultados foram positivos”, diz a auxiliar de enfermagem.
“Mas uma coisa é certeza: (a infecção pelo coronavírus) foi por causa dessa movimentação das eleições. Isso movimentou tudo”, acrescenta.
Os membros da família tiveram diferentes tipos de sintomas da doença, alguns mais leves, outros mais intensos. No entanto, ninguém chegou a ser internado. “A minha mãe teve muitos sintomas e até hoje está se recuperando”, diz Terezinha.
A auxiliar de enfermagem relata que Giovana teve sintomas considerados leves, como vômitos, dores abdominais e dificuldades para respirar em alguns momentos, mas passou pelo período de isolamento e foi considerada recuperada.
A jovem continuou com acompanhamento médico, contudo, por conta das dificuldades respiratórias que desenvolveu após a covid. “Mas a Giovana não aparentava nenhuma complicação grave”, diz a mãe.
Na tarde de 7 de dezembro, a filha relatou a Terezinha que estava sentindo um cansaço extremo. A mãe conta que a situação piorou em poucas horas.
“Quando a minha filha saiu do banho, me chamou e disse que estava passando muito mal. Foi de repente”, diz a auxiliar de enfermagem.
“Imediatamente, a gente a levou para o pronto-socorro. Chegamos lá e ela já estava muito mal. Não deu tempo de nada”, relata Terezinha, emocionada.
Giovana morreu no mesmo dia. “Não imaginava que o quadro dela pudesse ser tão grave”, lamenta a mãe.
Na certidão de óbito consta que a jovem morreu em decorrência do novo coronavírus, insuficiência respiratória aguda e embolia pulmonar. A mãe comenta que as dificuldades respiratórias foram causadas pela covid-19.
Terezinha conta que não esperava que a filha, a mais nova entre os infectados em sua casa, pudesse ser a principal vítima da covid-19 entre os familiares.
A jovem tinha uma condição chamada síndrome de Gilbert. Trata-se de um distúrbio genético que causa o aumento de níveis de bilirrubina, pigmento que dá cor amarelada à bile (fluido produzido pelo fígado). Em períodos de crise, pode culminar em sintomas como icterícia (quando pele e olhos ficam amarelados).
“Mas isso não era considerado um fator de risco para a covid-19. Quem tem essa síndrome vive normalmente”, explica a auxiliar de enfermagem.
O médico Alexandre Naime comenta que a covid-19 pode impulsionar crises de icterícia em pacientes com a síndrome de Gilbert.
“Pode deixar a pessoa com a aparência amarelada, por ser uma condição na qual o paciente vai gastar mais energia e o sistema imunológico vai estar mais ativado”, pontua.
Mas ele ressalta que a síndrome não é considerada um fator de risco para a doença causada pelo novo coronavírus. “Ela não torna a covid mais grave”, detalha Naime, chefe de Infectologia da Universidade Estadual Paulista (Unesp), em Botucatu (SP).
Por não ter fatores agravantes para a covid-19, Giovana faz parte de casos incomuns: os jovens que não são considerados do grupo de risco, mas que acabam morrendo em decorrência do novo coronavírus.
Especialistas têm alertado que os mais novos também podem sofrer complicações graves — em todo o mundo, há diversos estudos que tentam compreender como o vírus pode afetar duramente algumas pessoas consideradas saudáveis.
“Não consigo entender o que aconteceu. Nem os médicos entenderam exatamente o que aconteceu com a minha filha. A gente fica com muitas dúvidas”, lamenta a mãe da adolescente.
Desde a morte da filha, Terezinha afirma que vive com o sentimento de “existir pela metade”. “É aquela sensação de toda mãe que perde um filho. É esquisito demais. Dói muito”, desabafa.
Para tentar aliviar a saudade, ela costuma buscar refúgio no quarto de Giovana. “Não quero mexer em nada ali no momento”, diz. No cômodo, a adolescente guardava várias fotos.
“Tem muitos registros de pessoas de quem ela gostava. Eu gosto de ver, porque me faz bem, mas nem sempre é fácil.”
A selfie
O último registro feito por Maria Áurea Coraini foi uma selfie, semanas antes de ser internada em decorrência da covid-19.
“Ela estava radiante e sorridente, como de costume. A minha mãe era muito vaidosa e adorava posar para fotos”, comenta o produtor cultural Mário Irikura.
Maria tinha 78 anos. Aposentada, ela era viúva e morava sozinha em uma residência em Pereira Barreto, em São Paulo.
“A minha mãe era uma mulher muito ativa e não tinha nenhuma doença. Ninguém acreditava que ela tinha essa idade”, relata Mario, de 41 anos, o mais novo entre os quatro filhos dela.
A família afirma não saber como ela contraiu a covid-19.
“Ela estava respeitando o isolamento social. Estava em casa, não saía nem para ir ao mercado. Tudo era feito pela minha irmã. Ainda assim, ela foi infectada, mas não sabemos exatamente como”, diz Mário.
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Fonte: BBC Brasil