Por não vislumbrar dúvidas sobre as práticas ofensivas descritas na inicial, o juiz José Alonso Beltrame Júnior, da 10ª Vara Cível de Santos, condenou o desembargador do Tribunal de Justiça de São Paulo Eduardo Siqueira a indenizar em R$ 20 mil o guarda municipal Cícero Hilario Roza Neto.
Em julho de 2020, Siqueira foi flagrado ofendendo o guarda ao ser abordado sem máscara em uma praia de Santos. O desembargador rasgou a infração por desrespeitar uma lei municipal que obriga o uso de máscara. Siqueira também xingou Cícero de “analfabeto” e “guardinha” e disse que ele não sabia “com quem estaria se metendo”.
“Constitucional ou não a exigência do uso de máscaras ou a possibilidade de aplicação de multas, é fato que houve a atitude desrespeitosa, ofensiva e desproporcional. A série de posturas teve potencial para humilhar e menosprezar o guarda municipal que atuava no exercício da delicada função de cobrar da população posturas tendentes a minimizar os efeitos da grave pandemia, que a todos afeta”, afirmou o juiz.
Segundo o magistrado, não houve mero exercício regular do direito por parte do desembargador, pois ele não se limitou a questionar a legalidade da autuação: “Foram superados os limites do razoável, quando o requerente foi tratado como analfabeto, menosprezando-se sua pessoa e função em diversos momentos”.
Júnior também destacou a abordagem educada de Cícero, “que conseguiu manter a serenidade na situação em que envolvido”. Além disso, afirmou que, embora a defesa tenha alegado que o desembargador faz uso de remédios controlados, não há evidência de que ele estivesse com capacidade de entendimento reduzida no momento da abordagem pelos guardas.
“Houve violação ao disposto no artigos 186, 187 e 927 do Código Civil, com o que a procedência é medida que se impõe. Os danos morais decorrem do fato violador, dispensando outras provas. Não é preciso esforço para compreender os sentimentos de humilhação e menosprezo vivenciados pelo requerente, decorrentes dos fatos acima descritos, mais do que suficientes para autorizar o reconhecimento do prejuízo extrapatrimonial indenizável”, completou Júnior.
Processo administrativo e afastamento
Depois que o vídeo com as ofensas de Siqueira ao guarda ganhou repercussão nacional, o Conselho Nacional de Justiça decidiu instaurar um processo administrativo disciplinar e determinou o afastamento cautelar do desembargador.
Na ocasião, o relator e então corregedor nacional de Justiça, ministro Humberto Martins, fez duras críticas à conduta de Siqueira. O ministro falou em postura “arrogante, prepotente, vaidosa, agressiva e autoritária”, que fere a imagem de todo o Judiciário.
Inquérito no STJ
Na segunda-feira (18/1), o STF suspendeu a tramitação do inquérito instaurado pelo Superior Tribunal de Justiça contra o desembargador. Ao analisar o Habeas Corpus 196.883, o ministro Gilmar Mendes julgou plausível a alegação da defesa de Siqueira segundo a qual a decisão do STJ de determinar a abertura de inquérito sem que o acusado tenha sido notificado violou os princípios constitucionais da ampla defesa e do contraditório.
Histórico de abusos de autoridade
Conforme apurou a ConJur, Siqueira tem um longo histórico de abusos de autoridade e carteiradas, que vão desde contato pessoal inconveniente até a quebra de uma cancela de pedágio por não ter paciência de esperar.
Siqueira gritou com uma copeira por querer suco de morango fora da época da fruta e passou uma descompostura em uma colega de magistratura que perguntou do estado de saúde de uma ascensorista grávida sob a alegação de que isso “rebaixaria a classe dos magistrados”.
A pedido da Corregedoria Nacional, o TJ-SP informou que, ao longo da carreira do desembargador, 42 procedimentos foram instaurados contra ele — alguns há mais de 15 anos. O mais antigo é datado de maio de 1987, primeiro ano de Siqueira na magistratura paulista.
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Processo 1020312-45.2020.8.26.0562
Fonte: ConJur