O relógio marcava 15 horas e 32 minutos do dia 16 de agosto de 2000 quando o Boeing 737-200 da Vasp, matriculado PP-SMG, decolou de Foz do Iguaçu cumprindo o voo VP-280 com destino a Curitiba e Rio de Janeiro. Os 57 passageiros a bordo, a maioria estrangeiros, se acomodaram tranquilamente no avião, sem desconfiar de que cinco dentre eles embarcaram como nomes falsos no aeroporto. Esses cinco passageiros eram perigosos assaltantes, e tinham como alvo uma valiosa carga a bordo: Cinco milhões de reais, embarcados em nove malotes pela TGV, uma empresa de transporte de valores a serviço do Banco do Brasil.
Uma ação desse gênero não poderia ser feita com sucesso sem um mínimo conhecimento de navegação aérea e sem o conhecimento de regras de controle de tráfego aéreo. Um comandante experiente poderia facilmente acionar a Força Aérea e a Polícia Federal com o simples ato de selecionar o código 7500 no transponder da aeronave, e poderia facilmente iludir os sequestradores tomando uma rota diferente da ordenada pelos mesmos.
Entretanto, os sequestradores sabiam muito bem o que estavam fazendo, e o planejamento da ação foi perfeito. Doze minutos depois, tão logo a aeronave se estabilizou na subida, os bandidos sacaram armas leves automáticas e renderam a tripulação com rapidez. Pelo interfone, anunciaram aos passageiros que ninguém iria se machucar e que todos chegariam ao seu destino. Mesmo assim, os passageiros estrangeiros, que não falavam português se apavoraram, e logo imaginaram que estavam sendo rendidos por algum grupo terrorista sul-americano, como o Sendero Luminoso. Um passageiro chinês, em pânico, tentou abrir a porta de emergência em cima de uma das asas, mas foi rapidamente contido pelos sequestradores. Logo, todos os passageiros estavam acalmados e aguardavam ansiosamente o desenrolar da ação.
Os bandidos logo cercaram o passageiro Joelson Goes Maciel, representante da TGV em Curitiba, que acompanhava o transporte do numerário do Banco do Brasil. Ficaram decepcionados ao saber, pelos documentos, o valor do carregamento, “apenas” cinco milhões de reais.
Os sequestradores mandaram o comandante Sérgio Carmo dos Santos alterar a rota para a cidade de Porecatu, e desligar o rádio e o transponder. O comandante tentou argumentar, dizendo que não poderia pousar em Porecatu com segurança, mas os sequestradores sabiam que o o Boeing da Vasp poderia pousar tranquilamente lá, pois, embora o Aeroporto de Porecatu (foto de satélite abaixo) não seja atendido por nenhuma linha aérea, a pista é pavimentada e tem 2.100 metros de extensão, equivalente à pista de Londrina. O Boeing não somente poderia pousar, como também decolar sem problemas de Porecatu. Isso evidencia o alto grau de planejamento da ação.
Sem alternativa, o comandante tomou a proa de Porecatu e lá pousou. Apenas quatro pessoas estavam no aeroporto quando o Boeing pousou, dois pilotos, um segurança e um mecânico. O aeroporto de Porecatu era perfeito para um sequestro, uma pista excelente mas nenhuma proteção, nenhum policial e nenhum controle de acesso. Logo após o pouso, a ação foi rápida e simples: quatro dos cinco sequestradores desembarcaram, pediram para os tripulantes indicar em que local do bagageiro estava a carga e carregaram rapidamente os malotes de dinheiro para duas caminhonetes Ford Ranger que os aguardavam no aeroporto. Alguém afirmou que um tiro teria sido disparado, mas isso não foi confirmado e ninguém ficou ferido. Nenhum passageiro ou tripulante foi agredido pelos bandidos, que rapidamente se evadiram do local nas caminhonetes, sem levar nenhum refém. A ação toda, desde o início, durou apenas cerca de 40 minutos, menos que a maioria dos sequestros-relâmpagos de pessoas nas grandes cidades.
Os pilotos, após a evasão dos sequestradores, embarcaram novamente no avião e decolaram. Acionaram as autoridades pelo rádio e acabaram pousando em Londrina, a 90 Km de distância, às 16 horas e 30 minutos. Em Londrina, os passageiros foram confinados ao avião até que fossem conferidas suas identidades, pois se suspeitava que um dos sequestradores ainda estava a bordo. Todos acabaram liberados e embarcaram em aviões de outras empresas aéreas para os seus respectivos destinos.
As Polícias Civil e Militar em Porecatu fizeram uma varredura na região, mas localizaram apenas uma das caminhonetes Ranger abandonada. A Polícia Federal tentou fazer um retrato falado dos sequestradores, com base em informações dos tripulantes e alguns passageiros, e logo chegou em um suspeito, Marcelo Moacir Borelli (foto abaixo), que tinha no seu extenso “currículo” dois outros assaltos à TGV, a empresa responsável pelo transporte do dinheiro a bordo do Vasp 280. Borelli e outros assaltantes do VP-280, como Gerson Palermo, acabaram capturados depois de algum tempo, mas o dinheiro nunca mais foi recuperado
Entre os vários pontos intrigantes da ação, estão o conhecimento do carregamento pelos bandidos, que normalmente é feito de forma sigilosa justamente para prevenir assaltos. Os sequestradores sabiam até em que bagageiro do avião a carga iria ser carregada. Outro ponto obscuro é: como as armas foram parar a bordo? Os passageiros passam por inspeção de raio-x e detectores de metal quando embarcam. Isso levanta a possibilidade de que alguma pessoa, das mais de 20 que tem acesso ao avião enquanto o mesmo está no pátio, possa ter colocado as armas a bordo antes do embarque. Outra possibilidade é que as armas possam ter sido colocadas em outros aeroportos por onde a aeronave tenha passado antes.
Em 11 de janeiro de 2007, quando cumpria pena de 177 anos de prisão na Penitenciária de Piraquara, em Curitiba, o líder da ação, Marcelo Borelli, que recusava qualquer tratamento médico faleceu devido à AIDS, aos 38 anos de idade.
Fonte: Cultura Aeronáutica