No final da tarde do último domingo, 19, Ben Phalan, chefe do Núcleo de Conservação do Parque das Aves, registrou um macho de tesoura-do-campo (Alectrurus risora), que não era avistado no Brasil desde a década de 1970. O último registro da espécie foi de uma fêmea, avistada em Bonito/MS, no ano de 2012. Esse é possivelmente o primeiro avistamento da espécie no Paraná.
“Hoje o tesoura-do-campo é mais encontrada no Paraguai e na Argentina, em campos abertos com grama alta, então o registro inédito aqui em Foz é muito positivo, pois mostra que a espécie ainda pode chegar até o Brasil”, comenta Ben.
Encontro inesperado
No domingo, quando estava voltando para casa depois de um dia de trabalho no Parque, Ben decidiu parar por alguns minutos para observar aves, atividade que faz regularmente.
“Quando vi a ave de longe e efetuei o registro pensei que fosse outra espécie, o tesoura-do-brejo (Gubernetes yetapa), pouco encontrado em Foz do Iguaçu, mas muito comum em outras áreas do Brasil. Quando cheguei em casa e olhei minhas fotos mais de perto, logo percebi que aquela era outra ave”, fala Ben.
Ao consultar seus livros, Ben concluiu que a ave era o tesoura-do-campo. E verificou em seguida que era um registro muito incomum. O pesquisador imediatamente postou a foto da ave em um grupo de observadores de aves de Foz do Iguaçu e em dois sites de ciência cidadã, WikiAves e eBird. Ao amanhecer da manhã seguinte, um pequeno grupo chegou no local para tentar encontrar a ave novamente.
“Fiquei muito feliz e convidei meus colegas observadores para me encontrarem na trilha. No outro dia estávamos todos lá, de binóculos e câmeras na mão, tentando efetuar novos registros da ave. E todos puderam observá-la”, complementa Ben.
Luciana Chiyo, médica veterinária do CCZ, era uma das observadoras presentes no segundo dia de registro. Ela é uma das pioneiras do grupo de observadores de aves de Foz e tem paixão pela atividade desde 2004, quando fez um curso.
“O observador de aves gosta de tudo que é bicho, mas ver uma espécie rara é sempre muito emocionante. Eu já havia avistado outras espécies raras, mas fazer um registro desses aqui em Foz não tem preço”, comenta Luciana.
Uma ave bem particular
O tesoura-do-campo é uma ave relativamente pequena, mas com uma longa cauda nos machos. Seu corpo mede cerca de 15 cm de comprimento, e a cauda do macho pode chegar a ter 18 cm, enquanto da fêmea, 5 cm.
“Essa diferença entre eles é importante para a espécie, pois o macho impressiona a fêmea com sua longa cauda e cores na hora de se acasalarem”, complementa Ben.
A espécie costuma habitar áreas abertas, com capim alto, em campos que podem estar alagados em determinadas épocas do ano. Devido à agricultura e pecuária, que priorizam outros tipos de vegetação, ele já não encontra os ambientes ideais para viver em regiões que anteriormente habitava no Brasil.
“Há registros históricos de ocorrência da espécie nos estados do Rio Grande do Sul, Mato Grosso do Sul, São Paulo e até mesmo Rio de Janeiro. Mas como essas regiões mudaram muito ao longo dos anos, ela acabou desaparecendo dessas áreas. Inclusive, acredita-se que as populações da espécie que hoje habitam o Paraguai e a Argentina deixaram de ser migratórias e vivem por lá o ano todo. Hoje, o tesoura-do-campo é considerado Vulnerável na lista vermelha de animais em risco de extinção da União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN)”, menciona Ben.
A observação de aves e a ciência cidadã
A observação de aves é um hobby que tem crescido muito no Brasil nos últimos anos. Em Foz do Iguaçu, o grupo de observadores de aves se reúne desde 2005.
“O grupo de Foz do Iguaçu voltou a ter força com o advento do WhatsApp. Há diversos interesses particulares no grupo, mas em comum a admiração pelas aves. Por exemplo, temos o Tiago Bonato, professor do curso de História da América Latina na UNILA, Ana Paula Rodrigues Carvalho, professora de História, Chris Farias, aeronauta aposentada, e Marcelo da Rocha, turismólogo e guia de turismo, entre outros”, comenta Luciana.
O grupo de Foz é composto por entusiastas das mais variadas profissões, que praticam a chamada “ciência cidadã”, quando voluntariamente coletam e compartilham dados que podem ser usados por pesquisadores da área. No caso da observação de aves, diversas pessoas ao redor do mundo fazem registros de aves, usando seus equipamentos e tempo, contribuindo na descoberta de espécies e reencontro com outras que estavam desaparecidas.
“A ciência cidadã combina muito com a observação de aves, uma das poucas atividades que pode ser feita até mesmo de dentro de casa, da janela do escritório, no quintal de casa. E os aplicativos ajudam bastante, como o eBird e o iNaturalist, e plataformas como o WikiAves”, reforça Luciana.
Luciana comenta ainda que aqui em Foz do Iguaçu temos exemplos da ciência cidadã ajudando pesquisadores.
“No caso do tesoura-do-campo, o Ben Phalan, que a encontrou, é pesquisador, atuante na área da biologia da conservação. Mas o registro de outra espécie, o bate-bico (Phleocryptes melanops), também ‘descoberto’ aqui em Foz, ocorreu pelo Marcelo da Rocha, que participa do nosso grupo de observadores e é um dos maiores entusiastas da atividade na região”, finaliza Luciana.
Assessoria