Ao inserirem os dados divulgados pelo Ministério da Saúde sobre a contaminação pelo novo coronavírus (SARS-CoV-2) em ferramentas que geram cartografia e informações geográficas, pesquisadores verificaram que os principais focos de contaminação estão concentrados em trechos específicos ao longo do sistema rodoviário do Brasil, principalmente da região sul.
As análises são realizadas pelo Observatório do Litoral Paranaense da Universidade Federal do Paraná. Estas análises estão sendo feitas periodicamente e os resultados têm se repetido. O estudo aponta um forte indício de que trechos de rodovias podem ser rotas de disseminação do vírus. A investigação indica que quase 95% dos casos confirmados de covid-19, doença causada pelo coronavírus, estão concentrados nesses trechos rodoviários.
A contaminação tem ocorrido de forma concentrada principalmente nas regiões metropolitanas do país e arredores, ao longo do sistema rodoviário em alguns municípios situados em cruzamentos. É o que explica Ricardo Monteiro, professor do Setor Litoral e doutor em Ciências: “se analisarmos esses trechos, verificamos que quase 95% dos casos estão situados em torno de 22% dos municípios brasileiros, cidades que englobam aproximadamente 53% da população total do Brasil. Isso indica uma concentração e um padrão de distribuição que acompanham alguns trechos rodoviários. Esse é um indício muito forte de que esses segmentos podem ser fortes vetores de contaminação”.
Na região sul os casos da doença estão centralizados, principalmente, ao longo da BR-386, entre Carazinho e Porto Alegre, e entre Porto Alegre e Curitiba, ao longo da Freeway e da BR-101.
Fenômeno em Santa Catarina
Outro fenômeno que está sendo estudado pelos pesquisadores é a concentração da doença na região oeste de Santa Catarina. Especialmente nas proximidades dos municípios de Chapecó e Xanxerê, onde ocorre atividade frigorífica.
“Estamos acompanhando milhares de casos de contaminação relacionados a essa atividade. Nós sabemos que o transporte de aves, suínos e bovinos acontece pelas rodovias. Será que existe alguma lógica relacionada a isso? Ainda não sabemos ao certo, é necessária uma análise minuciosa, mas há fortes indícios de que sim”, revela Monteiro.
Essa correlação também existe nas regiões sudeste e nordeste e, em menor escala, na centro-oeste. Segundo o especialista, tem um aspecto demográfico diferente em relação às outras três. “A região norte é diferente devido à navegação ao longo do Rio Amazonas, ou seja, não tem essa característica tão acentuada de modal rodoviário”. Para o professor, apesar de ainda ser necessário continuar estudando o tema, está claro que a contaminação pelo coronavírus não acompanha a lógica demográfica da população nos municípios. “Várias cidades populosas e arredores não apresentam grandes incidências de casos; o fenômeno é localizado em alguns trechos, o que nos deixa intrigados”.
Ações
A partir dessa análise, é possível adotar medidas de controle e prevenção como ações educativas, monitoramento de temperatura de motoristas e passageiros em pontos estratégicos, distribuição de máscaras e álcool em gel e até limpeza de veículos. “Os veículos poderiam passar por sanitizantes que façam a limpeza dos pneus, por exemplo”, sugere Monteiro acreditando que esses cuidados poderiam reduzir a disseminação do vírus ao longo do sistema rodoviário e nos acessos a regiões metropolitanas.
“Como os mapas revelam, são poucos trechos em todo o Brasil. Se for feito um trabalho nesses locais estratégicos, é possível reduzir o contágio”, afirma o professor. Segundo ele, outra atitude que poderia ser tomada pelas autoridades é o investimento em pesquisas, para que seja possível descobrir mais elementos que fortaleçam essa hipótese.
Método
O estudo, feito a partir de dados divulgados pelo Ministério da Saúde, utiliza três tipos de análise: análise estatística, análise de mapas – elaborada com aplicativos de cartografia – e análise de geoprocessamento. Esta última foi realizada em um aplicativo de sistema de informações geográficas. De acordo com Monteiro, são utilizados apenas softwares livres. “Temos o compromisso de capacitar as pessoas a fazerem as observações geográficas por conta própria. Divulgamos tutoriais em nosso canal do YouTube ensinando como realizar análises e usar esses dados”.
Representar espacialmente qualquer informação relacionada a um fenômeno tão complexo, como a contaminação pelo coronavírus, é extremamente importante para o especialista. “Essa representação espacial, por meio de mapas, pode nos ajudar a compreender a situação e não apenas em relação à distribuição no espaço e à vinculação com rodovias. Também é possível estabelecer relações climáticas, pluviométricas, de estiagem. Podemos incluir dados sociais e econômicos. São vários aspectos que podem auxiliar na compreensão desse fenômeno no espaço geográfico”.
Observatório do Litoral Paranaense
O Observatório do Litoral Paranaense é um projeto de extensão, vinculado ao Setor Litoral da UFPR. Tem como princípios norteadores compreender a realidade, difundir a geoinformação e capacitar os cidadãos para serviços de georreferenciamento, por meio de aplicativos livres, e para a elaboração de cartografia e de diagnósticos territoriais.
Fonte: UFPR