BELÉM, PA (FOLHAPRESS) – O paraense Alcyr Ataíde Carneiro, que não possui Facebook nem Instagram, teve uma foto com sua mãe viralizada nas redes sociais depois que ele foi aprovado no curso de enfermagem da UFPA (Universidade Federal do Pará) aos 60 anos.
Na imagem, a senhora Aglair Carneiro, 90, aparece raspando o cabelo do filho, que trabalha há 23 anos capinando, roçando e limpando quintais. Ele mora em uma casa de madeira alugada no bairro do Coqueiro, periferia de Belém.
“A minha mãe morava comigo, mas se mudou para a casa da minha irmã, que mora perto, pois tive que vender o botijão de gás para ajudar a pagar o curso preparatório para o Enem (Exame Nacional do Ensino Médio)”, conta Alcyr, logo após ministrar uma palestra motivacional a convite de uma escola da capital paraense -reflexo da fama instantânea.
A motivação para fazer um curso superior foi a vontade de melhorar de vida. “A minha realidade é muito difícil, quero dar uma vida melhor para a minha mãe. Eu tinha duas opções: ganhar na Mega-Sena ou vencer pela educação”.
Alcyr vai ser a segunda pessoa de toda sua família a fazer um curso superior. O primeiro foi seu sobrinho, que é médico, que o ajudava dando roupas usadas –até um dia lhe oferecer um jaleco branco já usado, rasgado, para trabalhar na rua e não pegar sol.
“Só que daí eu peguei o jaleco, levei para o meu quarto, coloquei no cabide. Ele me serviu de inspiração. Quando eu estava estudando, e vinha o sono e o desânimo, eu olhava para o jaleco e pensava: ainda vou usar um desses.”
Para fazer o cursinho, ele teve que reduzir a jornada de trabalho. “Passei a trabalhar só de manhã, das 6h às 13h, pois o curso era das 13h30 às 18h. Então, eu trabalhava, saía correndo, às vezes, nem almoçava”.
A rotina de estudos era dura e intensa. Depois de jantar na casa da irmã e da mãe nonagenária, chegava em casa e estudava das 21h à meia noite. Acordava 2h depois.
“Então eu continuava estudando até as 4h. Depois eu ia para a calçada da minha irmã para pegar o sinal do wifi dela e ficava vendo aulas no YouTube no meu celular. Ficava lá até as 6h e depois ia trabalhar. Na verdade, eu só dormia mesmo da meia-noite às 2h. Era meu sono.”
Para ajudar a pagar o cursinho, cuja mensalidade era de R$ 105, Alcyr fazia, às vezes, limpeza na própria escola. “Eu capinava, e eles descontavam na mensalidade.” Todo esse esforço e as noites sem dormir valeram a pena quando ele ouviu o resultado da sua aprovação no rádio.
“Eu joguei o aparelho na parede de tanta alegria. Saí correndo pela rua, gritando, debaixo de chuva. Fui à casa da minha irmã porque eu queria abraçar primeiro a minha mãe. Lá cortaram meu cabelo, fizeram aquela festa para mim, foi a maior alegria”.
Ele e a mãe choraram, pelo resultado de tanto esforço. “Eu também chorei porque eu sou chorão. Lembrei de tudo o que passei, não foi fácil. Eu fiquei tão feliz que eu passei dois dias sem comer, porque não tinha fome. Minha irmã insistia para eu comer, e eu dizia que a felicidade estava suprindo a minha fome”.
O sucesso do paraense foi compartilhado até na página do Cofen (Conselho Federal de Enfermagem), com a mensagem: “alimente seus sonhos. Alcyr Ataíde Carneiro escreveu seu nome em um dos primeiros capítulos do Ano da Enfermagem (2020 foi escolhido como o ano dos profissionais de enfermagem e obstetrícia pela Organização Mundial da Saúde). O senhor, que trabalhava roçando quintais de dia e à noite se dedicava aos estudos, é o mais novo postulante a enfermeiro pela Universidade Federal do Pará”.