O primeiro encontro de Léa e Eli foi bem pouco amistoso. Era uma segunda-feira, início de 1974. O menino Eli Pereira do Nascimento, 12 anos, conversava com alguns amigos, sentado sobre a caixa de engraxate, em frente ao Hotel Salvatti, no centro de Foz do Iguaçu. Dia frio, eles aproveitavam o ar quente que vinha da garagem para se aquecer, quando o Opala do prefeito Clóvis Cunha Vianna, acompanhado da primeira-dama Léa Leone Vianna, saiu do hotel. Léa disse “bom dia” aos meninos, mas não ouviu resposta. Era plantada ali uma semente que transformaria a história da cidade.
A Guarda Mirim da cidade, criada por Leá Vianna três anos mais tarde, em 26 de julho de 1977, nasceu daquela primeira conversa. Aos 40 anos, a instituição prestou, nesta quarta-feira (26), uma homenagem à sua fundadora. A cerimônia aconteceu na quadra esportiva da entidade e reuniu autoridades, jovens da Guarda Mirim e os “ex-guardinhas”, como são carinhosamente chamados aqueles que passaram pela instituição. O diretor-geral brasileiro de Itaipu, Luiz Fernando Leone Vianna, filho de Dona Léa, também participou da homenagem e reforçou o apoio da binacional à Guarda Mirim.
“É difícil explicar o que seria da minha vida sem a Guarda Mirim”, resume Léa, invertendo os valores. Afinal, o que seria da Guarda sem o passo inicial da então primeira-dama? Para ela, após 40 anos vencendo desafios, a instituição tem que continuar sendo respeitada e valorizada pela comunidade de Foz do Iguaçu. “Obrigado ao que vocês fizeram na minha vida”, agradeceu ela aos ex-guardinhas. “Eu aprendi com vocês mais do que vocês aprenderam comigo. Aprendi a viver por alguém.”
Em toda sua história, a Guarda Mirim de Foz do Iguaçu já atendeu 27 mil adolescentes – 78% destes jovens concluíram o programa ou foram contratados por empresas. Só em 2016, passaram pela instituição 1.370 jovens. Entre eles estão os quase 300 jovens do Programa de Iniciação e Incentivo ao Trabalho (PIIT) que passam pela Itaipu a cada ano. Muitos dos jovens da Guarda Mirim dizem que devem a vida à instituição.
Primeiro encontro
É o caso de Eli Pereira, hoje com 55 anos, emocionado ao reencontrar Dona Léa tanto tempo depois daquele primeiro contato. “Ela puxou conversa, mas nós não respondemos direito”, lembra. “Por que a senhora quer dar ‘bom dia’ para nós? Estamos aqui passando frio, quem é a senhora?”, conta Eli, demonstrando certa vergonha pela antiga rispidez. “Ele não era uma criança dócil, mas precisava de um suporte porque carregava no peito a frustração de uma vida cheia de dificuldades”, reforça Dona Léa.
No sábado daquela mesma semana, eles tornaram a se encontrar, na APMI de Foz do Iguaçu, instituição que Eli frequentava eventualmente. “Estávamos em uns dez amigos e ela disse que queria construir uma entidade igual a outra que tinha em Curitiba”, diz Eli Pereira. Três anos mais tarde, era fundada a Guarda Mirim e o jovem e seus amigos foram os primeiros “guardinhas”.
“A Guarda Mirim foi a base da minha vida. Fui policial, trabalhei como segurança na Itaipu e no Hospital Cataratas, em várias empresas. Devo isso tudo à Guarda Mirim”, resume. Aquela conversa pouco amistosa na frente do Hotel Salvatti ficou no passado. “Se alguém fizer algum mal para Dona Léa, vai se ver comigo”, brinca Eli.
Ex-guardinhas
Das 27 mil pessoas que passaram pela instituição, muitos são hoje gente formada e servem de exemplo para a nova geração. É o caso do atual presidente da Guarda Mirim, Hélio Cândido do Carmo, que foi guardinha nos anos 80. “Ingressei em 1980, a exemplo de muitos meninos de família carente que conseguiram na Guarda Mirim uma forma de reforçar a renda”, conta.
Hélio reconhece que um dos papéis da instituição é dar a ajuda financeira às famílias. Mas ele não se resume a isso. “A Guarda não é só para assistencialismo, mas também para a profissionalização destas jovens”, afirma o presidente. Segundo ele, seu compromisso é dar continuidade aos ideais de Dona Léa e manter as parcerias com as empresas que dão suporte à Guarda Mirim.
Quem também se compromete em fazer a instituição se fortalecer a cada ano é o vice-prefeito de Foz do Iguaçu, Nilton Bobato, também ex-guardinha. “Eu era um menino pobre e precisava de um espaço. A Guarda Mirim me ofereceu a oportunidade de ser aprendiz e ganhar o primeiro emprego registrado da minha vida”, conta. “A Prefeitura apoia a Guarda contratando os jovens aprendizes e incentivando as parcerias com outras instituições. Nós participamos do cotidiano da Guarda Mirim e estamos sempre atentes às suas necessidades.”
O segundo sargento da Polícia Militar, Waldecir Ferreira de Almeida, foi guardinha por três anos, entre 1979 e 1982, e até hoje apoia a instituição. “O que sou hoje, eu e minha família, devo aos ensinamentos oriundos da Guarda Mirim”, afirma. “A instituição é um elo de sustentação de nossa sociedade. Todos nós temos compromisso de preservá-la.”
Fonte: JIE