Raul é um cãozinho com cerca de três anos resgatado na região central de Foz do Iguaçu (PR). Ele tinha sinais característicos de leishmaniose, como unhas excessivamente compridas e perda de pelo nas orelhas. O exame de sangue confirmou a presença do protozoário Leishmania infantum no organismo do bicho. A recomendação, tanto do Ministério da Saúde quando do Ministério da Agricultura, é de submete-lo à eutanásia, a morte assistida e sem sofrimento, porque não há cura para a doença canina. O principal argumento é de que o cão será eternamente hospedeiro do parasita, um risco permanente para a população.
Mas diversas Organizações Não Governamentais (ONGs) ligadas à proteção animal discordam desse critério, garantindo que há tratamento clínico para os sintomas, e que o cão pode conviver com o parasita. Para garantir segurança e evitar a transmissão, a orientação é manter a limpeza dos quintais e utilizar coleiras repelentes, que afastam o mosquito-palha, vetor da leishmaniose. O controle do ambiente é um dos poucos consensos entre protetores e governo. Além disso, uma medicação já usada na Europa teve a importação autorizada pelo Ministério da Agricultura. O remédio, que não elimina o parasita do organismo, deve chegar ao mercado nacional até dezembro.
O tema será discutido em um encontro promovido pelo Conselho Regional de Medicina Veterinária (CRMV), que lança nessa sexta-feira (23) o Manual Técnico das Leishmanioses Caninas. Com o título “Leishmaniose: o Impacto na Saúde Pública”, especialistas irão debater o assunto, abordando os aspectos jurídicos, a contaminação em humanos e os panoramas estadual e municipal. Ao fim do encontro, será realizada uma mesa redonda, com direcionamentos para o manejo da doença.
FRONTEIRA – A leishmaniose está presente na maior parte dos Estados brasileiros, mas a região da Tríplice Fronteira é apontada pela Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS) com área de grande incidência da doença em animais. Pesquisa divulgada no ano passado e realizada em parceria com a Secretaria Municipal da Saúde (SMSA), Secretaria de Estado da Saúde (SESA) e Universidade Federal do Paraná (UFPR) revela que cerca de 20% dos cães de Foz do Iguaçu estão infectados. Levando em conta que a população canina do município é de 60 mil, o índice de cães positivos para a doença chegaria a 12 mil, um em cada cinco. No lado argentino, a incidência é ainda mais alarmante: 28%. No Paraguai, foram registrados 8%.
O levantamento capitaneado pela OPAS surgiu depois da suspeita de migrações do mosquito-palha. Em 2008, tanto a Argentina quanto o Paraguai registraram epidemias de leishmaniose visceral, com as primeiras notificações e mortes em humanos. A pesquisa confirmou a presença do vetor em todas as regiões de Foz do Iguaçu.
HUMANOS – Há dois tipos de leishmaniose: a tegumentar e a visceral, transmitidas por espécies diferentes de mosquito-palha. A primeira ocasiona úlceras na pele e mucosas, e o hospedeiro natural são animais silvestres, como pequenos roedores. A incidência da leishmaniose tegumentar é maior em comunidades próximas de matas e rios.
A segunda é considerada mais grave porque atinge os órgãos internos do indivíduo, especialmente o fígado e o baço. O diagnóstico tardio e a falta de tratamento adequado resultam em morte, em 90% dos casos. O hospedeiro da leishmaniose visceral são os animais domésticos, principalmente os cães, mas também pode ocorrer em gatos.
Dados da Divisão de Epidemiologia da SMSA mostram que em 2015 foram confirmados 20 casos de leishmaniose tegumentar em Foz. Esse ano, foram dez. Já a leishmaniose visceral teve dois casos confirmados no ano passado. De janeiro até agora, foram quatro. Duas pessoas morreram.
TRANSMISSÃO – A leishmaniose não é transmitida diretamente entre humanos e animais. A contaminação se dá pela picada da fêmea do mosquito-palha infectada pelo protozoário Leishmania. Ao se alimentar do sangue de um cão, por exemplo, ela transmite o parasita e o animal transforma-se em fonte de infecção. A transmissão para os seres humanos ocorre da mesma forma, via picada do inseto contaminado.
A prevenção é feita com a limpeza de quintais e eliminação de materiais orgânicos, como folhas e fezes, impedindo a reprodução do mosquito-palha. A aplicação de inseticidas no ambiente e o uso de coleiras relepentes também ajudam no controle. As clínicas veterinárias dispõem de vacina para evitar a infecção.