O Refúgio Biológico Bela Vista (RBV) de Itaipu perdeu, neste domingo (17), seu maior símbolo. Às 14h30, morria a onça-pintada Juma, ícone da fauna regional e do zoológico Roberto Ribas Lange, onde o animal vivia desde 2002. O animal foi fundamental para o trabalho de educação ambiental e ao turismo de Itaipu, e ainda contribuiu à pesquisa sobre a espécie, ameaçada de extinção no Paraná e em outros estados do País.
A morte foi provocada por uma insuficiência renal severa, provocada por infecção que acometeu os rins. O problema é comum em felinos idosos como a Juma. Sua idade era estimada em 24 anos – idade equivalente a de uma senhora centenária, se comparada a um humano.
Em cativeiro, as onças-pintadas podem chegar, no máximo, a 25 anos de idade. Mesmo tendo vivido até os dez anos na floresta, e carregando no corpo as cicatrizes do período selvagem, Juma quase chegou a este limite.
“Ela era uma guerreira, lutou muito antes de chegar até aqui”, disse Wanderlei de Moraes, veterinário da Divisão de Áreas Protegidas de Itaipu (MARP.CD), que acompanhou toda a vida da onça no RBV. Foi ele quem conduziu a necropsia de Juma e, embora esperasse sua partida em função da idade, se emocionou com o momento da despedida. Para ele, e para toda a equipe de fauna do Refúgio, o clima desta segunda-feira (18) foi de luto.
“Foi a perda de um ícone, de um animal emblemático para todo o trabalho que fizemos aqui em termos de fauna. Ela é o símbolo dessa nossa luta pela conservação”, disse o veterinário.
A sensação é compartilhada pelo biólogo Marcos de Oliveira (MARP.CD). “Ela foi a primeira onça-pintada que eu vi na minha vida”, contou. “Em qualquer documentário sobre a espécie, feito na região, ela era a representante”, afirmou Oliveira.
Maior estrela da nossa fauna
Na Itaipu, nenhum animal foi mais fotografado do que Juma, maior celebridade entre os animais do zoológico. Ela foi a primeira onça-pintada do RBV e também a primeira a ser exposta para os turistas no local. Esta visibilidade foi um passo importante para o trabalho de educação ambiental e à conservação da onça-pintada.
Ao longo dos anos, Juma virou celebridade ao ter sua imagem vista por gente do mundo todo. É ela que aparece no vídeo institucional de Itaipu, além de ter sido protagonista de produções do Parque Nacional do Iguaçu, em matérias de TV e até em documentários de produtoras e canais televisivos internacionais.
Ela é a “onça que bebe água” exposta na sala da Diretoria Geral Brasileira de Itaipu, na sala vip do Complexo Turístico Itaipu e em outros escritórios da empresa. Suas fotos ilustram livros produzidos pela binacional.
Foi Juma quem estreou o recinto construído para as onças no zoológico do RVB, onde foi instalado o vidro que permite aos visitantes ver os bichos bem de perto. O espaço, com mil metros quadrados e que representa o habitat natural, foi concluído dois anos após a sua chegada, em 2004.
No período em que viveu na Itaipu, a onça foi submetida a exames de ponta, como ultrassonografias. Seu prontuário médico é extenso, com exames periódicos de sangue, bioquímicos, parasitológicos, além de tratamento e higienização dentária constante. No ano passado, ela sofreu uma cirurgia para retirada de um tumor, mas se recuperou bem, apesar de não ficar mais tão ativa quanto antes.
“Nos últimos tempos ela não interagia como antes, por causa da idade, e não participava de atividades de enriquecimento ambiental”, disse Wanderlei.
Seu comportamento amistoso ficará marcado na memória do tratador de animais Delcy Alves de Oliveira, que atua há 27 anos em Itaipu. “Ela era muito carinhosa. É claro que era um animal selvagem, mas era diferente dos demais”, conta. “Juma costumava encostar no vidro e abaixar a cabeça, como se quisesse carinho. E fazia isso com todos”, lembrou Delcy de Oliveira. “Para mim, era como se fosse um animal da minha família. Vou sentir sua falta, todos os dias”, disse, emocionado.
Essa proximidade também era sentida por Marcos Oliveira, a quem ela atendia quando era chamada pelo nome. “A gente dizia ‘Juma’ e ela vinha até o portão”, contou Marcos Oliveira. “É uma grande perda para nós.”
História
Juma foi trazida à Itaipu quando tinha 10 anos, desnutrida e muito debilitada. Ela vivia na região do Parque Nacional do Iguaçu, mas estava sendo avistada fora dos limites do parque em busca de presas em propriedades vizinhas, o que causava um problema.
Para sua segurança, e dos rebanhos das fazendas vizinhas, ela foi capturada e trazida ao Refúgio, onde recebeu assistência completa dos biólogos, veterinários e tratadores.
“Logo no começo, fizemos um trabalho para acompanhar os padrões de comportamento dos felinos e passei algumas noites observando a Juma dormir, da meia-noite às três da manhã”, relembrou Marcos Oliveira, nesta segunda-feira. “A gente acaba se apegando ao animal”, contou.
Ao chegar, Juma pesava apenas 46 quilos, considerado um peso baixo para um animal de seu porte, com 1,63 metros de comprimento (focinho à cauda). Na última pesagem em vida, ela estava com 60 quilos.
“Acreditamos que ela estava perdendo uma disputa por território e por isso se arriscava fora do parque”, conta Wanderlei de Moraes.
Se continuasse na natureza, Juma não teria sobrevivido muito tempo porque estava com dentes quebrados, um pouco desnutrida e capturando os animais em propriedades particulares. Em função dessa debilidade, dos problemas dentários e da interferência dela nas comunidades do entorno, é que foi decidido mantê-la em cativeiro.
“Com o tempo, ela foi se acalmando e não ficava tensa na nossa presença. Parecia entender que estávamos ali para cuidar dela”, afirmou Marcos Oliveira.
Consciência como legado
Na época de sua chegada, a maior expectativa era que Juma pudesse contribuir para um programa de reprodução da onça-pintada na região. Mas era preciso correr contra o tempo para encontrar um parceiro – aos 10 anos, a onça está quase no limite da idade reprodutiva. A maior dificuldade era encontrar um animal compatível, o que ocorreu apenas cinco anos depois.
A chegada do macho Tonhão deu um sopro de esperança à reprodução dos felinos, mas acabou sendo tardia para esta finalidade. Juma tinha 15 anos e estava fora da idade reprodutiva quando recebeu o Tonhão, resgatado na região de Ilha Solteira (SP) em 2007.
Naquele mesmo ano, o Refúgio recebia o filhote Valente, de seis meses de idade, com quem Juma dividiu o recinto das onças até a sua morte. Tonhão morreu em agosto de 2014. Aos 10 anos, Valente continua no Refúgio e seguirá no local, onde pode ser visitado.
Juma não deixou herdeiros, mas sua herança não acaba com sua morte. A carcaça deve ser encaminhada para instituição de pesquisa, para que ela continue contribuindo para o entendimento sobre a espécie.
Repercussão
O atual chefe de Manejo do Parque Nacional do Iguaçu, Apolônio Rodrigues, integrou a equipe que capturou Juma em uma fazenda vizinha ao Parque. “Teria sido muito bom se ela conseguisse reproduzir, mas seu maior legado foi ter obtido essa visibilidade e com isso mostrar a importância da conservação da onça-pintada na região”, analisou. “Foi uma sorte para ela poder viver um tempo a mais”, concluiu Rodrigues.
“Ela nos forneceu informação que era difícil se obter de onças como, por exemplo, amostras de sangue, e virou um ícone da relação entre o Parque Nacional do Iguaçu e a Itaipu”, afirmou Marina Xavier da Silva, coordenadora de campo do projeto Carnívoros do Iguaçu. “Juma sempre foi muito comentada no nosso universo e teve grande contribuição para a consciência das pessoas”, completou.
De acordo com o último censo feito pelo projeto, de 2014, a população de onças-pintadas é de 18 animais, no lado brasileiro do Parque Nacional do Iguaçu. Em todo o corredor verde, que abrange áreas na Argentina e no Brasil, até o Parque Estadual do Turvo, no Rio Grande do Sul, são estimados 80 animais.
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