O ano de 2015 ficará marcado na história como divisor de águas do futebol mundial. As investigações do FBI, que revelaram um grande escândalo de corrupção na Fifa, já tiveram consequências para a entidade – com o afastamento do então presidente Joseph Blatter, por exemplo – e agora respingam também no futebol brasileiro, que tem os três últimos presidentes da CBF (Confederação Brasileira de Futebol) investigados no esquema.
Diante deste cenário de crise, o Bom Senso FC – movimento de jogadores e ex-jogadores que reivindica mudanças no futebol – resolveu agir. Depois de realizar um protesto em campo na última rodada do Campeonato Brasileiro deste ano, o grupo convocou uma nova manifestação: desta vez em frente à sede da CBF, no Rio de Janeiro, às 15h nesta terça-feira.
A principal reivindicação agora é o cancelamento das eleições para a vice-presidência, convocadas para esta quarta-feira, e a democratização da CBF, para que os jogadores – e outros grupos independentes – possam ter voz na entidade.
“Acho que esse é um momento de vergonha para o futebol brasileiro, mas é também uma oportunidade de mudança”, afirmou o ex-jogador Raí em entrevista à BBC Brasil.
“Há muito tempo existem pessoas e organizações que querem ajudar o futebol brasileiro a evoluir, mas a coisa é fechada num feudo sem dar oportunidade para as pessoas. É um sistema viciado, que precisa ser quebrado.”
Raí acredita que o fato de os problemas da CBF terem sido “escancarados” com a investigação do FBI dá ao futebol brasileiro uma chance única de “renascer”.
“É uma oportunidade para mais gente participar do processo, ou seja, para democratizarmos isso. Para construir um novo modelo para o futebol. Precisamos traçar uma nova estratégia de renascimento do futebol brasileiro.”
“Acho que o futebol brasileiro está paralisado. Está capengando, sem força de reação. Ficando cada vez mais pra trás.”
Por tudo isso, Raí se juntou a outros grandes nomes do futebol brasileiro, como Alex, Afonsinho, Paulo Cézar Caju, Djalminha e até ao argentino Juan Pablo Sorín, para pressionar a CBF por mudanças com um protesto na sede da entidade. O Bom Senso FC convocou o ato, chamado de #OcupaCBF, na última segunda e teve adesão até mesmo de nomes como Romário e Zico, que não poderão comparecer à manifestação, mas declararam apoio.
“Nós queremos principalmente a saída do Del Nero e uma convocação de eleições dentro de um outro modelo mais amplo, aberto, para rediscutir as bases do futebol brasileiro. Criar uma fase de transição com participação de mais gente para que no próximo mandato já entre alguém com projeto melhor debatido”, afirmou Raí.
“Estamos dando um recado, que é forte e que vem de vários setores entendendo que o futebol é algo importante da cultura do país e que precisa ser levado a sério”, finalizou.
No dia 3 de dezembro, o FBI anunciou que Marco Polo Del Nero, então presidente da CBF, era um dos acusados de corrupção no escândalo da Fifa, juntamente com Ricardo Teixeira, que comandou a entidade entre 1989 e 2012.
Poucas horas depois, Del Nero pediu licença do cargo na CBF para “se concentrar em sua defesa” e deixou Marcus Vicente, um dos vice-presidentes e seu aliado, no seu lugar.
No dia seguinte, a entidade convocou novas eleições para a vice-presidência, com o intuito de ocupar o cargo deixado por José Maria Marin, que antes de ser preso também na investigação do FBI em maio, era o vice mais velho de Del Nero. De acordo com o estatuto da CBF, quando um presidente renuncia ou deixa o cargo, quem assume é o vice com mais idade. Sem Marin, quem iria substituí-lo seria Delfim Peixoto, presidente da Federação Catarinense e seu desafeto.
“Ele (Del Nero) deve renunciar em breve e deve seguir uma trajetória semelhante a do Ricardo Teixeira, que ninguém sabe onde está e ninguém viu, é quase um fantasma pelo mundo”, disse Ricardo Martins, diretor executivo do Bom Senso FC à BBC Brasil.
“É por isso justamente que o Del Nero está em busca de eleger um novo vice-presidente que tenha o mérito de ser mais velho que o Delfim Peixoto, que é seu desafeto, pra que assuma a presidência e, enfim, esteja alinhado com os diretrizes do grupo.”
Peixoto, por sua vez, entrou na Justiça e conseguiu uma liminar para impedir a eleição marcada para esta quarta-feira, alegando irregularidades no processo. A CBF tentou cassar a liminar, mas, por enquanto, ela foi mantida.
Em nota oficial divulgada no último sábado, a entidade disse que “reitera seu profundo respeito e absoluta confiança na Justiça brasileira” e que “respeitará a determinação judicial e apresentará o cabível recurso, certa que o melhor direito prevalecerá ao final”. Até agora, no entanto, ela não anunciou o cancelamento das eleições.
Nascido em 2013 no calor das manifestações que tomaram conta do país, o Bom Senso FC completou dois anos e agora tem uma estratégia um pouco diferente da inicial. Se antes eles queriam propor as mudanças para o futebol brasileiro e contribuir com a CBF, hoje eles querem primeiro alterar a estrutura da própria entidade para garantir que suas propostas serão ouvidas.
“Nós chegamos a sugerir um novo calendário, por exemplo, mas isso não mudou, porque as pessoas que estão no poder não mudaram. A gente poderia sugerir a melhor das propostas e ela não seria aceita, simplesmente porque quem está no poder hoje não tem a menor intenção de mudar o futebol brasileiro, eles têm a intenção de permanecer no poder”, disse Ricardo Martins, diretor executivo do Bom Senso.
“Então nós começamos a pensar muito mais em como garantir um processo para ter uma oposição independente, que esteja preocupada com o futebol brasileiro e que, uma vez no poder, possa realizar tais mudanças.”
Assim, o Bom Senso FC já anunciou sua intenção de concorrer às eleições presidenciais da CBF em 2018 e agora estuda minuciosamente a elaboração de um projeto para mudar de vez o futebol brasileiro.
“Nosso trabalho é muito mais centrado na criação de um projeto, e a candidatura será pautada nele e não apenas em torno de nomes e alianças. Vamos pensar em como seria essa nova CBF, quais as principais reformas que ela precisa, de que maneira seria gerida, quais seriam os padrões de transparência”, afirmou.
Mas para realizar as mudanças desejadas, o Bom Senso FC tenta articular outras entidades para conseguir mais força – clubes, empresários, patrocinadores e a própria sociedade como um todo.
“A investigação do FBI escancarou o que todos suspeitavam. Então esperamos que isso seja capaz de provocar e mobilizar a opinião pública, a sociedade como um todo paras mudanças necessárias”, disse Martins.
“O Bom Senso não vai conseguir realizar nenhuma mudança sozinho. É preciso que todo mundo que se importa com futebol se envolva.”
O presidente da CBF é eleito pelo voto dos presidentes das federações estaduais de futebol, em regime de maioria absoluta. Cada federação tem direito a um voto.
Fonte: BBC