A comissão mista do Congresso Nacional que analisa a Medida Provisória (MP) 648/14 aprovou a flexibilização do programa A Voz do Brasil, que apresenta notícias sobre os Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário e ficou conhecido pela abertura “Em Brasília, 19 horas”.
Pela proposta, as emissoras de rádio comerciais, comunitárias e legislativas poderão transmitir o programa entre as 19h e as 22h. O horário permanecerá fixo apenas para as emissoras educativas.
O texto original da MP, enviado pelo Executivo, autorizava a mudança de horário de transmissão da Voz do Brasil apenas durante a Copa do Mundo. Mas o relatório do senador Ricardo Ferraço (PMDB-ES), aprovado pelos parlamentares da comissão, modificou a medida e manteve a flexibilização por tempo indeterminado. Agora, os plenários da Câmara e do Senado deverão analisar a MP, que tem validade até outubro.
Para Ferraço, a alteração responde às mudanças que atingiram a sociedade brasileira desde 1935, quando o programa começou a ser transmitido. “Mudaram-se os hábitos, o Brasil não é mais um país rural, é um país urbano. E, pela primeira vez, nós tivemos a oportunidade de experimentar um mecanismo diferente. Durante a Copa do Mundo, o horário foi flexibilizado, e as pesquisas apontam a aprovação, por parte da população brasileira, e até mesmo a ampliação da audiência”, disse.
No entanto, a avaliação de Ferraço não é consensual. Mário Augusto Jakobskind, integrante da Associação Brasileira de Imprensa (ABI) e do Conselho Curador da Empresa Brasil de Comunicação (EBC), que opera o programa e produz parte dele, diz que a mudança poderá ser “um erro crasso dos parlamentares”.
“Flexibilização, na prática, representa, primeiro, o fim d’A Voz do Brasil a médio e longo prazos, porque quem é que vai fiscalizar isso? Segundo, esse horário tradicional das 19h às 20h é o horário que milhões de pessoas, pelo Brasil afora, têm informações por meio d’A Voz do Brasil”, ponderou.
Segundo o Ministério das Comunicações, havia em 2012, no Brasil, mais de 9,4 mil emissoras de rádio. A dificuldade de fiscalizar todas essas emissoras também preocupa o Movimento em Defesa da Preservação d’A Voz do Brasil, que reúne organizações da sociedade civil. O coordenador do movimento, o jornalista Chico Sant’Anna, disse que programa, considerado o mais antigo do mundo em operação, é importante para dar transparência pública aos atos dos Três Poderes e prestar contas à sociedade.
Sant’Anna acredita que a flexibilização pode prejudicar populações que vivem em cidades distantes dos grandes centros urbanos. “É um importante elemento de informação para milhões de brasileiros. Uma pesquisa encomendada pela Secretaria de Comunicação da Presidência da República identificou que 60% dos moradores da Região Norte e 50% das regiões Nordeste e Centro-Oeste ouvem diariamente A Voz do Brasil e têm o programa como a única ou quase única informação do que acontece no Brasil”.
A Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão (Abert), entidade que lançou, neste ano, uma campanha pela flexibilização do noticiário, argumenta que a mudança não diminuirá o acesso da população brasileira à informação. De acordo com o presidente da associação, Daniel Slaviero, durante a Copa do Mundo, apenas 31% das emissoras optaram por mudar o horário do programa e, segundo ele, teve melhores índices de audiência. “Os resultados foram muitos claros. Aumentou a audiência porque aumentou a exposição do programa. O ouvinte que não ouvia às 19h, pode escutar às 20h e as 21h”, argumentou.
Uma pesquisa encomendada ao Datafolha pela associação, em fevereiro, aponta que 22% dos 2.091 entrevistados apontaram que passariam a ouvir mais A Voz do Brasil caso o horário fosse alterado. A estimativa da Abert é que a audiência do programa aumente até 13 pontos percentuais com a flexibilização. “Estamos convictos de que o texto aprovado na comissão mista fortalece esse programa centenário, porque aumenta a exposição”, avaliou Slaviero.
Já as entidades da sociedade civil apontam que é esse aumento de audiência o que está na mira dos empresários. “Isso tem simplesmente o objetivo de faturar mais”, diz Sant’Anna, para quem o programa é um “patrimônio cultural brasileiro”. Ele explica que os congestionamentos nas grandes cidades criaram um público-alvo em potencial para as emissoras, justamente no horário de transmissão do programa. “Elas querem ganhar um maior faturamento porque sabem que o motorista está preso no trânsito, vai ficar uma ou duas horas, e aí querem veicular mais anúncio naquele horário”, explicou.
A obrigatoriedade de transmissão do programa está na lei de 1962 que institui o Código Brasileiro de Telecomunicações. Esta não é a primeira tentativa de mudar o horário de transmissão. Desde 2006, tramita no Congresso projeto de lei com a mesma finalidade. O texto foi aprovado pela Câmara e já foi apreciado por comissões do Senado, onde aguarda votação em plenário. Uma ação que questionava a constitucionalidade da formação de cadeia nacional para a veiculação do programa já chegou ao Supremo Tribunal Federal (STF), mas o pedido foi negado pelo Supremo, que entendeu que o Código Brasileiro de Telecomunicações seguiu a Constituição Federal.
De acordo com a decisão de hoje da comissão, as emissoras de radiodifusão sonora que optarem pela mudança de horário d’A Voz do Brasil. serão obrigadas a veicular, diariamente, às 19h, exceto aos sábados, domingos e feriados, inserção informativa sobre as retransmissões do programa.
Agência Brasil