Ao longo das eliminatórias para a Copa do Mundo da FIFA™, a imprensa internacional noticiou todo o trabalho duro e determinação das 31 seleções que lutaram por uma vaga na grande festa do futebol — lembrando que o Brasil já estava garantido por ser a sede do torneio. Mas, para um torcedor inglês, o caminho foi muito mais árduo e exigente do que para a maioria. Trata-se de Hugh Thompson, que chegará ao Rio de Janeiro no mês de junho após uma jornada de 25.000 km por 25 países e cinco continentes. O que torna o feito ainda mais impressionante é o fato de ele ter percorrido a distância sobre a sua fiel escudeira Shola, bicicleta que ganhou esse nome em homenagem a Shola Ameobi, atacante nigeriano do Newcastle, time do coração do aventureiro.
Mas essa jornada não teve início meramente pela emoção e a adrenalina. Thompson está arrecadando dinheiro para a TackleAfrica, instituição de caridade que oferece programas educacionais sobre o HIV por meio do futebol no continente que recebeu o Mundial em 2010. Aos 29 anos, ele já trabalhou com projetos de futebol para pessoas sem-teto em toda a Inglaterra e atuou como técnico do programa de desenvolvimento do New York Red Bulls. O aventureiro conversou com o FIFA.com e falou sobre o real objetivo por trás do desafio e também sobre os altos e baixos até a chegada ao Rio de Janeiro.
“Passei a atuar como voluntário da TackleAfrica cinco anos atrás, em Uganda”, explicou Thompson. “Fiquei muito impressionado com o impacto que a caridade havia tido sobre as comunidades locais e me apaixonei pelo país, pelas pessoas e por seu amor pelo futebol. Também presenciei a necessidade de educar os jovens quanto ao HIV, e tudo isso me inspirou a fazer a diferença e a angariar fundos.”
O torcedor aventureiro leva consigo algumas histórias memoráveis do tempo que passou na estrada até o momento, como ter jogado e treinado equipes em algumas localidades espetaculares. “Tive o privilégio de visitar vários projetos da TackleAfrica em Uganda, no Quênia e na Tanzânia”, continuou Thompson. “Nesta última, conheci algumas mulheres incríveis, que vêm proporcionando autonomia às meninas mais jovens. Já em Sydney, organizei um torneio de futebol com a participação de 20 equipes e coletei quatro mil libras em um dia. Foi incrível. Também participei de incontáveis partidas de futebol à beira da estrada no oeste de Sumatra ao pôr do sol, o que foi fantástico.”
Mas um momento dessa jornada ganhou destaque ainda maior para Thompson, já que teve relação direta com suas raízes no nordeste da Inglaterra. “Eu estava atuando como técnico e jogador em Budapeste como parte de um projeto de futebol para os sem-teto”, relembra. “Era uma linda tarde na Ilha de Margarida, e perto de nós havia um chafariz musical. Eu tinha lido que naquela manhã se completavam quatro anos da morte do Bobby Robson. Enquanto eu jogava sob a luz do sol, a famosa canção Nessun Dorma ressoou de dentro da fonte. Foi um grande momento, que trouxe recordações muito vívidas de 1990.”
A caminhada da seleção inglesa até as semifinais na Itália 1990 é a primeira lembrança que Thompson tem das Copas do Mundo, e ele admite que seu parceiro ideal para a longa aventura sobre duas rodas seria o técnico da seleção na oportunidade. “Bobby Robson teria intermináveis histórias sobre o futebol do seu tempo”, esclarece. “Estou passando tanto tempo sobre a bicicleta que imagino que aprenderia demais pedalando ao lado dele. Ele certamente também me faria rir nos momentos difíceis.”
Apoio de desconhecidos
E momentos difíceis não faltaram para Thompson, que esteve em Nairóbi em setembro do ano passado, quando aconteceram os ataques terroristas ao complexo de compras Westgate Mall. “Fui seguido por cães selvagens na Bulgária e derrubado da bicicleta em Istambul, Bangalore e na Newcastle australiana”, detalha. “É um desafio muito complicado também do ponto de vista psicológico, já que passamos longos períodos sem conversar com ninguém. Muitas vezes me pegava falando sozinho. Desenvolvi um distúrbio chamado “paralisia do ciclista” na Ásia. Como as estradas eram muito ruins na Índia e na África, e eu estava pedalando todos os dias sem qualquer descanso, lesionei o nervo da mão e isso levou ao formigamento e à falta de firmeza. Um pouco de repouso e algumas estradas mais regulares acabaram resolvendo o problema.”
O técnico de futebol ciclista desenvolveu um entendimento do que ele chama de “a incrível bondade dos estranhos” durante a jornada e admite que foi surpreendido com a reação de comunidades de diversas origens culturais. “As pessoas me traziam comida, me convidavam para as suas casas para comer e também faziam doações para a caridade pelas janelas dos carros quando eu passava pedalando”, descreve. “Foram infinitas as camas, cantinhos no chão ou barracas que me foram oferecidos. Agora, o apoio da minha família e amigos em casa foi enorme e maior do que tudo. Saber que estou arrecadando dinheiro para uma causa tão boa faz com que tudo valha a pena, independentemente do quanto os dias possam ser difíceis.”
Todo esse espírito de luta faria muito bem à Inglaterra de Roy Hodgson, que acabou caindo em um grupo bastante complicado no próximo Mundial, que conta ainda com Itália, Uruguai e Costa Rica. “Para mim, o Hodgson deveria montar uma equipe para o futuro”, opinou Thompson. “Se ele fizer isso, consigo acreditar que a Inglaterra chegue às quartas de final e possa ir melhor em competições futuras. O lado positivo desta Copa do Mundo é que não existe muita expectativa em relação ao título, o que dará à seleção inglesa a oportunidade de aproveitar o momento e de repente apresentar um futebol de qualidade. Acredito que o Brasil e o torneio em si servirão para lembrar as pessoas do motivo pelo qual amamos o futebol. Podemos ver o efeito que as Olimpíadas tiveram em Londres, e espero algo muito semelhante no Brasil.”
Com toda a bagagem adquirida na caminhada até o Rio de Janeiro, Thompson aproveita a oportunidade para deixar uma mensagem aos torcedores e jogadores ao redor do mundo: “a vida é muito simples”, concluiu o ciclista. “Muitas pessoas vivem com quase nada no mundo e estão extremamente satisfeitas. As pessoas que menos têm são aquelas que tendem a oferecer mais. Passei por diversas situações nas quais senti que não conseguiria continuar, como as monções da Ásia, o sol escaldante da África, o caos da Índia e a altitude dos Andes. Mas, em muitos desses casos, a única opção é seguir em frente. Aprendi que o corpo e a mente humana possuem uma resistência inacreditável e, se você se concentrar nisso e não ficar tentando fugir da situação, tudo é possível na vida.”
Por FIFA